
“Quem viu o que esse cara fez, nunca ia aceitar que ele saísse livre”. A frase é de Bruno França, o delegado responsável por solucionar o caso do assassinato de Ângela Rocha Pereira, morta pelo ex-marido Abinadab Costa, no Mato Grosso. O caso, que chocou o país, poderia ter ficado impune, já que o criminoso tinha um plano de fuga, pretendendo ir para os Estados Unidos. Mas a Polícia agiu rapidamente e o prendeu na última sexta-feira (29).
O delegado deu uma entrevista exclusiva ao repórter investigativo Thathyanno Desa, e que ele disse que será a última sobre o caso. “Como está praticamente solucionado, tem que apaziguar para a família da vitima seguir em frente. Nunca poderemos trazer a justiça de volta para a família, mas fizemos o que podíamos”, contou.
Mesmo resolvendo um caso com agilidade, França é novo como delegado. Assumiu no dia 7 de janeiro deste ano. Até então, atuava como advogado e professor universitário na área de Direito Penal. Mesmo assim, mostrou que não falta competência na nova função.
“Neste caso, o crime ocorreu no sábado, às 23h04. A gente tinha acabado de resolver um outro caso gravíssimo que envolvia tortura e estupro de vulnerável, pai contra filho. A sociedade já estava chocada. Quando no domingo, por volta das 11h30 da manha, recebi uma ligação do comandante da Polícia Militar avisando que foi achado um corpo no lixão. Me dirigi ao local. Lá havia dois colegas da PM e havia um corpo coberto por entulhos. Em decúbito dorsal, queimado. Não carbonizado, mas queimado. No início não podia nem identificar se era homem ou mulher, mas presumimos que era mulher pelo quadril. A gente fotografou o local, isolou, procuramos por vestígios. Quando retiramos o corpo, eu comuniquei o feminicídio e que o primeiro passo era identificar a vitima, porque o principal suspeito seria quem tem relação amorosa. Eram múltiplas perfuração de objeto cortante. Vários golpes no rosto e no pescoço contra uma vítima mulher. Este tipo de crime, de ódio, de descontrole, armas impróprias, já que uma faca não foi feita para ser uma arma. Esses são elementos típicos de casos de feminicídio”, explica.
“O primeiro trabalho foi identificar a vítima. Mas pelas perfurações no rosto e no pescoço, e pela alta temperara que foi submetida, não era fácil identificar. Mas ela tinha tatuagens. No ombro e no braço. Chamamos a inteligência e um investigador identificou pela tatuagem e informou que já havia um histórico de violência doméstica. Com isso, Abinadab foi colocado como primeiro suspeito”, conta o delegado.
O que veio a seguir foi uma cena de violência e uma corrida contra o tempo para evitar a fuga. “Ao chegar no local da casa, já nos deparamos com quantidade imensa de sangue no lado de fora. E sinais que havia sido lavada a casa e vimos que aquele seria o local do crime. Comunicamos o pai do autor, ja sabendo que ele tinha estado no local do crime no domingo de manhã. A gente queria ver qual seria a reação dele. Nós descobrimos que o Abinadab havia conversando com uma pessoa no domingo, por volta das 9h10. Ouvimos essa pessoa, que disse que ele estava em fuga, que tinha brigado com a mulher, feito besteira. E ali, se tornou muito mais uma perseguição. Claro que seguiu a investigação, mas também uma perseguição. Uma investigadora trabalhou mais em levantar provas para a condenação. E eu trabalhei no sentido de fazer o pedido de prisão e capturar o Abinadab”.
“Começamos a perseguição e pedimos ajuda à Polícia Militar. Fui informado que ele estava em Nova Tupi. Parou em uma oficina porque o carro era pequeno e as estradas são ruins, e a criança estava com muita fome e chorando. O mecânico contou que alimentou a criança e que ele disse que estava desesperado, falou que tinha matado a mulher e ia fugir do Brasil. Na segunda, às 14h45, eu tinha imagens dele em outro município. Isolamos dois endereços em Várzea Grande e soubemos que ele esteve nos dois. Um de uma tia, e o outro, onde ele foi preso, de um amigo. Ao ser preso, ele confirmou tudo que a gente vinha falando, que existia um plano de fuga para os Estados Unidos, que o irmão estava auxiliando junto com um líder religioso. Que o pai e a mãe já haviam subtraído a criança. Quando ele foi preso, o irmão dele estava ao vivo no seu programa, dizendo que não estava auxiliando, que era uma invenção, que a Polícia Civil queria aparecer. E tudo mais. No dia da prisão, ele recebeu 15 mil de transferência. Foi preso com quase 4 mil em dinheiro. Diversos cartões de crédito de várias pessoas, cabelo pintado e sem barba. A criança já estava escondida em Sapezal. E quando entendi que o risco de fuga não era mais tolerável, eu pedi a um colega de Cuiabá que cercasse o local até que eu chegasse. Ele percebeu que o condomínio estava fechado e empreendeu fuga. Pedimos ajuda para os irmãos da Polícia Militar, e ele foi preso escondido no pátio de um posto”, contou o delegado, dizendo também que os pais e irmãos que o ajudaram não podem ser indiciados, já que a lei não permite, mas os demais, irão.
Segundo o delegado, Abinadab foi preso justamente durante a entrevista que o irmão dele, Willian, deu ao vivo para Thathyanno Desa. Na ocasião, ele negou ter ajudado, mas que segundo o delegado, o próprio Abinadab confessou.
“Ele auxiliou. Isso é evidente. O próprio Abinadab confessou o plano de fuga. Ele disse que primeiramente o plano era fugir por Rondônia,. Isso eu não sabia, só ouvi da boca dele. E como ele é um mentiroso contumaz, as informações tem que ser recebidas com certa cautela. A nossa informação era que ele ia sair por Várzea Grande, passar pela Bolívia, México e Estados Unidos, com a ajuda do irmão e um líder religioso que ele só chama de bispo. Não temos um nome. E isso foi confirmado pelo irmão. Não adianta eu ficar batendo boca com ele, se o próprio irmão já confessou”, disse.
Sobre a transferência de R$ 15 mil, o delegado disse que como não recebeu os comprovantes, não sabe se o valor veio da conta de Willian, mas que Abinadab confessou que o dinheiro foi mandado pelo irmão. Assim que ele receber o relatório, saberá de qual conta veio o dinheiro.
O delegado também confirmou que a criança estava junto do casal no momento do crime, e por isso, a pena dele deve ser ainda maior no julgamento. “Temos imagens que o criminoso sai da cena do crime com a criança no colo. Uma cena horrorosa, chocante. E a cama da criança é do lado da cama que a mãe foi morta. O crime de feminicídio tem a pena aumentada pela presença de ascendente ou descendente”.
Já a criança, de apenas 1 ano e 5 meses, está aos cuidados da avó materna. “Foram à delegacia a mãe e o pai da vítima e as duas criancinhas. Foram na Polícia Civil agradecer o trabalho e mostrar que as crianças estão bem”.
O delegado contou também que quando Abinadab foi preso, o delegado de Sapezal pediu manteve a criança lá, mas que a pedido dele, a menina foi entregue à vó materna. A expectativa agora é que a Justiça entregue a ela a guarda.
Por fim, o delegado também falou sobre os vídeos feitos por um vizinho e que circularam nas redes sociais. Segundo ele, foi uma forma de tentar ajudar a vítima, devido ao histórico de violência.
“No Brasil, só pode prender o agressor da mulher se houver violência. Todos os demais crimes tem que postar queixa. E existia o histórico. Mas quando a Polícia chegava, a mulher não representava e a Polícia não tinha prova que ele estava batendo nela e não podia levar preso. E os vizinhos estavam filmando para ter prova que ele estava batendo nela, que ele fosse preso. Ocorre que aconteceu o homicídio, o que ninguém estava esperando. Foram dois videos. Um às 11h03 e outro às 11h04. No primeiro é no mercadinho, uma briga de casal. O das 11h04 é só o áudio, no quarto. A gente acredita que o momento que fica em silêncio, é quando ele vai pegar a faca e ela pede pela vida. O correto é que a população nem saiba essas coisas. Mas como a população ficou sabendo e ficou chocada, tem que esclarecer. Tinha gente querendo bater no vizinho, sendo que ele ajudou a polícia”, completa.
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