
Sob pressão do setor empresarial, implementação das novas regras da NR-1 será apenas educativa até maio de 2026. Especialistas alertam para agravamento na crise de saúde mental dos trabalhadores.
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
O Ministério do Trabalho oficializou o adiamento da entrada em vigor das atualizações da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que passaria a contemplar diretrizes relacionadas à saúde mental nos ambientes laborais. A decisão, que já vinha sendo cogitada pelo governo diante da pressão de entidades empresariais, estabelece que as novas exigências só serão fiscalizadas a partir de 26 de maio de 2026.
Durante esse intervalo de um ano, não haverá aplicação de multas às empresas que descumprirem as novas diretrizes. A pasta afirma que o objetivo é promover um período de transição educativa para que os empregadores se adequem às mudanças e melhorem as condições psicossociais no ambiente de trabalho.
Empresas pressionam e governo recua
O recuo veio após reuniões com representantes de sindicatos patronais, que expressaram preocupação com a responsabilidade atribuída às empresas em relação aos transtornos mentais dos trabalhadores. Segundo esses representantes, a norma carecia de clareza sobre sua aplicação prática e poderia implicar em custos extras com especialistas em saúde mental.
Entre as críticas, destacam-se a ausência de uma cartilha explicativa que orientasse sobre as novas obrigações e o temor de que a norma pudesse gerar insegurança jurídica. Embora o Ministério do Trabalho tenha finalmente publicado uma cartilha orientativa, a fiscalização será apenas educativa até o próximo ano.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) declarou que a regulamentação de temas complexos deve ser acompanhada de previsibilidade jurídica e técnica. A FecomercioSP também alegou que muitas empresas não têm condições financeiras nem técnicas para implementar as mudanças propostas.
Nova comissão e orientações
Com o adiamento, será criada uma Comissão Nacional Tripartite Temática, com representantes do governo, de entidades sindicais e do setor empresarial, para acompanhar a implementação da norma e esclarecer dúvidas sobre sua aplicação.
Apesar das críticas e do adiamento, o Ministério do Trabalho reafirmou que as medidas continuam válidas e serão exigidas futuramente. O período atual será usado para conscientização e formação das empresas.
O que muda na NR-1?
A revisão da NR-1, anunciada em agosto de 2024, visava incluir os chamados riscos psicossociais no escopo das normas de segurança e saúde do trabalho. Na prática, isso significaria que fatores como assédio moral, metas inalcançáveis, longas jornadas, ausência de apoio emocional, e más condições laborais poderiam ser alvo de fiscalização — e penalidades.
A proposta surgiu em um cenário crítico: em 2024, o Brasil atingiu o maior número de afastamentos por transtornos mentais em uma década, com 472 mil licenças concedidas, um salto de 68% em relação ao ano anterior.
Especialistas criticam o adiamento
Para estudiosos e profissionais da área de saúde mental, o adiamento representa um retrocesso preocupante. Eles alertam que postergar a implementação das medidas pode agravar ainda mais os índices de afastamento por problemas psicológicos.
Thatiana Cappellano, consultora em saúde do trabalho, afirma que a resistência empresarial é reflexo da relutância em encarar os problemas estruturais nos ambientes corporativos. Tatiana Pimenta, especialista em saúde mental no trabalho, acrescenta que o adiamento pode levar a um novo recorde de licenças em 2025.
Segundo dados do INSS, o impacto financeiro desses afastamentos foi significativo: em 2024, os trabalhadores afastados por saúde mental receberam, em média, R$ 1.900 mensais, com uma duração média de três meses de licença. Estima-se que o custo total ao governo tenha beirado os R$ 3 bilhões.
Impacto global e perfil dos trabalhadores
O impacto da saúde mental no mercado de trabalho não se restringe ao Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que transtornos como depressão e ansiedade causam a perda de 12 bilhões de dias úteis por ano no mundo, o que representa uma perda financeira global de cerca de US$ 1 trilhão.
No Brasil, segundo dados do INSS, a maioria dos trabalhadores afastados por transtornos mentais é composta por mulheres (64%), com média de 41 anos de idade, geralmente diagnosticadas com ansiedade ou depressão. Muitos desses casos, no entanto, não incluem condições como burnout, que ainda enfrentam dificuldades de diagnóstico e registro adequado.
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