André Mendonça defende liberdade de expressão e critica ativismo judicial no STF

Durante julgamento sobre o Marco Civil da Internet, ministro aponta riscos de censura e reforça que papel de regulamentar redes sociais cabe ao Congresso, não ao Judiciário.

Por Gilvania Alves|GNEWSUSA

Em um dos debates mais sensíveis da atualidade, o ministro André Mendonça se destacou ao iniciar, na última quarta-feira (4), a leitura de seu voto no julgamento que pode alterar radicalmente a forma como a internet é regulada no Brasil. A Corte analisa a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, norma que garante que plataformas só sejam responsabilizadas judicialmente se descumprirem ordens para remoção de conteúdo ilícito. Mendonça fez uma defesa veemente da liberdade de expressão e questionou o protagonismo excessivo do Supremo Tribunal Federal (STF) em temas que, segundo ele, deveriam ser tratados no Legislativo.

Desde a abertura do julgamento, o tema tem gerado inquietação entre defensores de direitos civis, juristas e plataformas digitais. Caso o artigo 19 seja derrubado, a tendência é que redes sociais passem a remover conteúdos de forma preventiva e massiva, por medo de sanções — um movimento que muitos apontam como censura indireta.

“Ao assumir maior protagonismo em questões que deveriam ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, o Poder Judiciário acaba contribuindo, ainda que não intencionalmente, para a agudização da sensação de desconfiança hoje verificada em parcela significativa da sociedade. É preciso quebrar esse ciclo vicioso“, afirmou Mendonça, em crítica indireta a colegas que têm adotado uma postura mais intervencionista no controle do discurso público digital.

A leitura do voto ainda não foi concluída e continuará nesta quinta-feira (5), mas os fundamentos apresentados já deixaram clara a posição do ministro em defesa da liberdade de expressão como princípio basilar de uma sociedade democrática. Ele destacou que o STF não deve substituir o Congresso Nacional como instância regulatória do ambiente digital. Para Mendonça, a separação de poderes precisa ser respeitada para evitar a concentração de decisões sensíveis nas mãos de poucos.

“Não se trata de fazer da opinião pública um critério de julgamento. O que se busca apontar, apenas, são os efeitos deletérios que decorrem da adoção de uma postura ativista, a qual, no presente caso, culmina por agudizar ainda mais o problema que se pretende combater”, alertou o ministro.

Nos últimos anos, o STF tem enfrentado críticas crescentes por decisões que, sob a justificativa de combater desinformação e proteger a democracia, resultaram em bloqueio de perfis, suspensão de plataformas e restrições a criadores de conteúdo. Mendonça, no entanto, defendeu que mesmo a incredulidade em relação às instituições deve ser tolerada — e protegida.

“A Justiça Eleitoral brasileira é confiável e digna de orgulho. Se, apesar disso, um cidadão brasileiro vier a desconfiar dela, este é um direito. No Brasil, é lícito duvidar da existência de Deus, de que o Homem foi à lua e também das instituições”, declarou, citando o jurista Samuel Fonteles, que escreve sobre o “direito à incredulidade”.

Com esse argumento, Mendonça critica o que considera um ambiente crescente de repressão à livre manifestação de ideias. “A partir do momento em que um povo é proibido de até mesmo desconfiar – ou é obrigado a acreditar –, instaura-se o ambiente perfeito para subjugá-lo pela sua impotência”, disse, reforçando que o combate à desinformação não pode justificar medidas que silenciem a população.

Em um dos trechos mais filosóficos do voto, Mendonça invocou o pensamento do português Desidério Murcho:
“Ser tolerante é aceitar o direito de alguém afirmar o que pensamos firmemente ser falso ou errado ou inaceitável ou ofensivo […] Ser tolerante é defender as pessoas que têm ideias falsas, idiotas ou inaceitáveis e atacar essas ideias; não é atacar as pessoas para evitar o incômodo de provar que as suas ideias são falsas”.

No plano técnico, o ministro citou estudos que defendem o modelo atual, baseado no artigo 19, como promotor de um ecossistema mais livre e inovador. Argumentou que o padrão europeu, que exige atuação preventiva das plataformas, pode levar a um regime de censura digital disfarçada, em que o medo de sanções leva à exclusão prévia de conteúdos legítimos.

Mendonça ainda apresentou evidências de que as chamadas “fake news” não têm o poder de alterar radicalmente a opinião das pessoas, como frequentemente se alega. “As plataformas identificam predileções e predisposições que já trazemos conosco”, disse, apontando que os conteúdos tendem a reforçar crenças já existentes, e não a criar novos posicionamentos do zero.

Enquanto Mendonça defende que liberdade de expressão deve prevalecer como pilar democrático, outros ministros trilham caminhos diferentes. Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já votaram a favor da flexibilização ou extinção do artigo 19. Toffoli propôs que redes sociais tenham obrigação de remover conteúdo ofensivo mediante simples notificação da pessoa ofendida. Barroso, por sua vez, sugeriu que plataformas ajam de forma proativa contra determinados conteúdos, como pornografia infantil, terrorismo e incitação à violência.

Apesar de reconhecerem a complexidade do tema, tais propostas têm sido criticadas por entidades civis e defensores das liberdades individuais, que temem a criação de critérios subjetivos para censura.

Ao fim, Mendonça reiterou a necessidade de confiança na sociedade civil como principal reguladora do debate público. “A liberdade de expressão possui posição preferencial. Primeiro, porque é meio indispensável para a defesa das demais liberdades e direitos fundamentais. Segundo, porque a liberdade de expressão é condição de possibilidade do Estado de Direito Democrático”, concluiu o ministro.

O julgamento prossegue nos próximos dias e promete acirrar o debate entre o direito à livre manifestação e os limites da atuação estatal no ambiente digital. Até lá, a fala de André Mendonça ecoa como um lembrete de que, sem liberdade para pensar, duvidar e se expressar, nenhuma democracia permanece de pé.

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