
Pesquisa financiada pelo CNPq e publicada na Orphanet Journal of Rare Diseases traça o perfil dos brasileiros com doenças raras e expõe os desafios para diagnóstico e tratamento.
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
Uma pesquisa inédita revelou um panorama até então invisível para grande parte da população brasileira: quem são os pacientes com doenças raras no país. O estudo, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e conduzido pela Rede Nacional de Doenças Raras (RARAS), estima que entre 7 e 16 milhões de brasileiros convivam com alguma doença rara.
O levantamento, publicado em 2024 na renomada revista científica internacional Orphanet Journal of Rare Diseases, analisou dados de 12.530 pacientes atendidos em 34 unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2018 e 2019. Este é o primeiro estudo epidemiológico nacional sobre doenças raras já realizado no Brasil.
Quem são os pacientes “raros” no Brasil
- Idade mediana: 15 anos
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Leve maioria feminina: 50,5%
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Cor ou raça: 47% se autodeclararam pardos
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Diagnóstico confirmado: 63,2% dos participantes
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Doenças mais frequentes: fenilcetonúria, fibrose cística e acromegalia
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Sintomas mais comuns: atraso no desenvolvimento e crises convulsivas
O desafio do diagnóstico: a “odisseia rara”
O estudo mostrou que o tempo médio entre o surgimento dos primeiros sintomas e a confirmação do diagnóstico — chamado de “odisseia diagnóstica” — é de 5,4 anos. Esse dado reflete a falta de preparo da rede de saúde, a escassez de especialistas e a dificuldade no acesso a exames genéticos no país.
Apenas 1,2% dos diagnósticos foram feitos no período pré-natal, e cerca de 47,8% ainda se baseiam exclusivamente em critérios clínicos, sem confirmação laboratorial.
Aspectos genéticos e sociais
O levantamento identificou taxas relevantes de:
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Recorrência familiar: 21,6%
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Consanguinidade: 6,4% (casamentos entre parentes)
Esses dados reforçam a importância do aconselhamento genético como ferramenta de prevenção e manejo adequado.
Tratamento e acesso à saúde
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Terapia medicamentosa: 55% dos pacientes
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Reabilitação: 15,6%
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Internações: 44,5% precisaram de internação hospitalar
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Mortalidade: 1,5%, especialmente por doenças do neurônio motor e fibrose cística
O SUS financiou 84,2% dos diagnósticos e 86,7% dos tratamentos, mostrando que o sistema público é a principal fonte de cuidado para essa população. No entanto, o país possui atualmente apenas 30 centros de referência para doenças raras, número insuficiente diante da demanda.
Política pública ainda é insuficiente
Desde 2014, o Brasil conta com a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, que estabelece diretrizes para o cuidado dessa população. Apesar dos avanços, ainda não há um registro nacional estruturado para essas doenças, o que dificulta a formulação de políticas mais eficazes.
Futuro da pesquisa e impacto social
A geneticista Têmis Maria Félix, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFRGS), idealizadora da Rede RARAS, anunciou que o estudo já iniciou sua fase longitudinal e prospectiva, permitindo o acompanhamento dos pacientes ao longo do tempo.
O objetivo é transformar dados em ações concretas: melhorar o diagnóstico precoce, qualificar profissionais de saúde, ampliar o acesso a tratamentos e garantir mais qualidade de vida para quem convive com uma doença rara no Brasil.
“Ciência não é só busca por conhecimento. É instrumento de transformação social. E poucas áreas ilustram isso tão bem quanto o cuidado com os pacientes raros”, afirma a pesquisadora.
Mais informações sobre doenças raras podem ser encontradas no site do Ministério da Saúde (gov.br) e na plataforma Orphanet (orpha.net).
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