
Software criado pelo Instituto Butantan amplia monitoramento genômico com tecnologia acessível para laboratórios públicos; ferramenta já é usada por LACENs em vários estados.
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
O Instituto Butantan, por meio de seu Laboratório de Ciclo Celular (LCC), desenvolveu uma nova ferramenta digital para fortalecer a vigilância genômica de vírus de alta circulação no Brasil, como dengue, influenza e o SARS-CoV-2, causador da Covid-19. Batizada de VIPER — sigla em inglês para Viral Identification Pipeline for Emergency Response —, a plataforma é um sistema de código aberto projetado para operar de forma acessível até mesmo em computadores com sistema Windows.
A solução foi criada dentro do Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS) e está disponível gratuitamente no GitHub, com o objetivo de democratizar o acesso ao sequenciamento genético e permitir que mais pesquisadores e laboratórios estaduais tenham autonomia para identificar variantes virais e acompanhar surtos com rapidez e precisão.
“O VIPER simplifica o trabalho de quem não está habituado com sistemas Linux ou comandos de programação. Qualquer laboratório com um computador Windows atualizado pode instalar, rodar as análises e interpretar os resultados com apoio de uma interface gráfica amigável”, explica o bioinformata Alex Ranieri, idealizador da plataforma.
Monitoramento descentralizado e uso em rede
O sistema foi desenvolvido com base no Windows Subsystem for Linux (WSL), o que permite rodar pipelines de bioinformática complexos diretamente no Windows. A proposta é descentralizar o monitoramento genético de vírus, especialmente em momentos de emergência sanitária, como ocorreu durante a pandemia de Covid-19.
Desde seu lançamento experimental, em 2023, o VIPER já vem sendo utilizado por Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs) de estados como Minas Gerais, Bahia, Paraná e o Distrito Federal, tanto em parceria com o Instituto Butantan quanto em análises próprias. Além de sequenciar o SARS-CoV-2, o sistema já é capaz de identificar linhagens da dengue com detalhamento inédito.
Inovação na classificação do vírus da dengue
Uma das funcionalidades mais importantes do VIPER é o novo sistema de classificação de linhagens da dengue. Até então, as análises genéticas se limitavam à identificação dos quatro sorotipos do vírus, cada um com cinco genótipos conhecidos. Com o VIPER, agora é possível detectar linhagens específicas abaixo do nível genotípico, permitindo identificar, por exemplo, se uma nova linhagem entrou no país, de onde veio e qual sua rota de disseminação.
Essa inovação é essencial para a resposta rápida a surtos, uma vez que linhagens novas podem ter maior potencial de transmissão ou gravidade. O monitoramento genômico eficaz ajuda a antecipar medidas de controle e evitar cenários de emergência.
Do laboratório à sala de aula
Além do uso técnico por equipes de vigilância, o VIPER tem potencial educacional. Por ser gratuito e de fácil instalação, pode ser uma ferramenta útil para ensino de bioinformática em escolas e universidades, aproximando jovens da ciência de dados aplicada à saúde pública.
“É uma maneira de tornar a ciência mais acessível. Estudantes do ensino médio, por exemplo, podem explorar conceitos de genética, vírus e saúde pública com uma ferramenta real usada em laboratórios de pesquisa”, ressalta Ranieri.
Origem e evolução da plataforma
A ideia do VIPER surgiu durante um voo entre Itália e Brasil, após o congresso EPIDEMICS9, na cidade de Bolonha, em 2023. O nome, que significa “víbora” em inglês, faz referência direta ao Instituto Butantan, conhecido mundialmente por sua produção de soros antiofídicos. A sigla foi criada por pesquisadores do CeVIVAS, incluindo Sandra Coccuzzo e Carolina Sabbaga, responsáveis pela coordenação científica do projeto.
O sistema é fruto da experiência acumulada pelo Butantan durante a pandemia. Entre 2021 e 2022, o instituto chegou a sequenciar 1.500 amostras de Covid-19 por semana, o que evidenciou a necessidade de automatizar o processamento de dados genômicos em larga escala. A partir dessa demanda, o VIPER passou a ser estruturado com foco em agilidade, usabilidade e replicabilidade.
Próximos passos: inteligência artificial e expansão viral
A equipe de bioinformatas do CeVIVAS trabalha agora no desenvolvimento de uma plataforma de inteligência artificial conectada ao VIPER, que permitirá a produção automática de boletins epidemiológicos em tempo real, com análise de tendências, variações e alertas sanitários.
Outra meta é tornar o sistema capaz de analisar qualquer genoma viral, expandindo a atuação além da dengue, influenza e Covid-19, para incluir vírus como chikungunya, zika e outros patógenos emergentes.
Ciência aberta como estratégia de saúde pública
A proposta de manter o VIPER em código aberto, sem patentes ou restrições comerciais, faz parte da estratégia do Butantan para fortalecer a vigilância genômica no Brasil e promover o compartilhamento de conhecimento entre instituições públicas.
“Nosso objetivo é colaborar, não restringir. O que está sendo feito aqui é uma construção coletiva de ferramentas para salvar vidas e melhorar a resposta do país às emergências virais”, finaliza Ranieri.
- Leia mais:
Faça um comentário