
Com o aquecimento global, microrganismos podem se comportar de forma imprevisível, afetando até regiões antes consideradas seguras.
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
Um estudo recente publicado na revista científica PLOS ONE revelou que o avanço das mudanças climáticas está tornando o comportamento de doenças infecciosas cada vez mais imprevisível. Com o aumento das temperaturas médias globais, microrganismos causadores de doenças vêm se adaptando a novos ambientes, podendo infectar populações em locais que antes não enfrentavam esse risco.
A pesquisa, liderada por cientistas da Trinity College Dublin, na Irlanda, analisou o parasita Ordospora colligata e sua interação com o hospedeiro Daphnia magna em diferentes cenários de calor extremo. Os resultados mostraram que as ondas de calor podem tanto enfraquecer quanto fortalecer os patógenos, dependendo das condições locais. Por exemplo, em áreas naturalmente frias, temperaturas mais altas favoreceram a proliferação do parasita.
Segundo Niamh McCartan, doutoranda e coautora do estudo, “essas variações imprevisíveis dificultam o planejamento e a resposta das autoridades de saúde diante de surtos”. Isso significa que regiões historicamente livres de determinadas doenças infecciosas podem começar a registrar surtos, colocando pressão adicional sobre os sistemas públicos de saúde.
Mosquitos em expansão e dengue fora de controle
A situação é particularmente preocupante para doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue. Um estudo publicado na revista Nature em 2024 revelou que regiões de maior altitude, antes consideradas barreiras naturais para o Aedes aegypti, passaram a registrar maiores taxas da doença entre 2000 e 2020. Isso se deve ao aquecimento global, que permite a sobrevivência e a reprodução do mosquito durante todo o ano em locais antes mais frios.
O professor Expedito Luna, especialista em Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, alerta que o problema vai além das projeções: “Ainda faltam estudos com dados do mundo real para entender a magnitude do impacto climático sobre a saúde. Mas já estamos vendo o avanço da dengue em diversos países.”
Na América do Sul, os números são claros. A Argentina registrou 581,5 mil casos de dengue em 2024, contra apenas 3,2 mil em 2014, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). O Uruguai, que não apresentava casos há dez anos, somou 712 infecções no último ano.
Malária em altitudes mais elevadas
Outro exemplo de expansão preocupante é o da malária. Uma pesquisa publicada na revista Biology Letters mostrou que, entre 1898 e 2016, o mosquito Anopheles, vetor da doença, passou a ocupar áreas mais altas a uma taxa de 6,5 metros de altitude por ano. Além disso, os limites geográficos da espécie têm se deslocado para o sul da América do Sul, a uma média de 4,7 quilômetros por ano.
Embora o calor extremo possa, em algumas regiões, dificultar a transmissão da malária, como nas áreas centrais da África, em outros locais a situação tende a piorar, principalmente onde o clima antes impedia a circulação do mosquito.
Sistemas de saúde despreparados
Apesar dos alertas da comunidade científica, os sistemas de saúde pública ainda não estão devidamente preparados para lidar com essa nova realidade. Segundo Luna, “a formação dos profissionais de saúde raramente aborda a ligação entre clima e doenças infecciosas, o que gera desconhecimento e lentidão na resposta”.
O cenário exige mais investimentos em vigilância epidemiológica, adaptação dos serviços de saúde e campanhas educativas, principalmente em países tropicais e em desenvolvimento, onde as populações são mais vulneráveis.
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