
Relatório da Fiocruz estima que país pouparia R$ 2,1 bilhões em perdas de produtividade com redução no consumo da substância; impacto equivale a mais da metade do orçamento do Farmácia Popular.
Por Tatiane Martinelli | GNEWSUSA
Se os brasileiros reduzissem em 20% o consumo de álcool, 10.400 vidas poderiam ser salvas todos os anos — em média, uma por hora. A estimativa é de um relatório preliminar coordenado pelo pesquisador Eduardo Nilson, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Além do impacto humano, a redução representaria uma economia anual de R$ 2,1 bilhões em perdas de produtividade decorrentes de mortes prematuras. O valor equivale a 58% do orçamento do programa Farmácia Popular em 2024.
Cenários avaliados
O estudo “Estimação do Impacto de Diferentes Cenários de Redução do Consumo de Álcool no Brasil”, encomendado pelas organizações Vital Strategies e ACT Promoção da Saúde, projetou dois cenários: redução de 20% e de 10% no consumo. Neste último, seriam evitadas 4.600 mortes por ano e uma economia de R$ 1 bilhão em perdas produtivas.
As estimativas seguem a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde), que estabeleceu como meta global reduzir em 20% o consumo per capita de álcool até 2030.
Impacto na saúde e na economia
O levantamento considerou 24 doenças diretamente relacionadas ao consumo de álcool, entre elas tuberculose, cirrose, doenças hepáticas, epilepsia, hipertensão, hemorragia intracerebral, cardiopatia isquêmica e diversos tipos de câncer.
Os custos econômicos vão além do sistema de saúde: incluem a perda de renda de famílias e a interrupção precoce da vida produtiva de pessoas em idade ativa. “Quanto mais jovem o indivíduo, maior o impacto econômico. Um homem que morre aos 40 anos, por exemplo, deixa de produzir até os 60, quando atingiria a idade de aposentadoria”, explica Nilson, que também atua no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP.
Atualmente, os gastos diretos do SUS com hospitalizações e procedimentos ligados ao álcool chegam a R$ 1,1 bilhão por ano, segundo estimativas anteriores. Os homens respondem por 74% dessas despesas.
O peso entre os jovens
O relatório mostra que os maiores impactos recaem sobre homens com menos de 60 anos, principalmente entre 20 e 40 anos. Além das doenças crônicas, o álcool está associado a mortes violentas e acidentes de trânsito.
“Os acidentes e episódios de violência têm impacto imediato. É muito comum que homens jovens morram por esse motivo, enquanto as doenças crônicas, como câncer e cardiovasculares, surgem mais tarde, após efeito cumulativo do consumo de álcool”, destaca o pesquisador.
Políticas públicas em debate
Para atingir a meta da OMS, especialistas defendem que a tributação seletiva sobre bebidas alcoólicas, prevista na reforma tributária, seja aplicada de forma robusta. “Esse modelo já se mostrou eficaz em outros países, como os nórdicos. É preciso que a alíquota seja alta o suficiente para desestimular o consumo”, afirma Luciana Sardinha, diretora-adjunta de doenças crônicas da Vital Strategies.
Além dos impostos, o relatório recomenda ampliar medidas de restrição à venda, melhorar a rotulagem das bebidas e investir em campanhas de conscientização.
Nilson reforça que a mudança de mentalidade também é necessária. “Não existe dose segura de álcool. É comum a banalização do consumo por ser socialmente aceito, mas precisamos mostrar os riscos reais e quantificá-los.”
Um problema de saúde pública
Um estudo da própria Fiocruz, publicado em 2024, já havia apontado que o álcool é responsável por 12 mortes por hora no Brasil e um custo anual de R$ 18,8 bilhões ao país. Os novos cálculos reforçam a urgência de políticas de controle mais efetivas.
O projeto de pesquisa faz parte da iniciativa Saúde Pública, com apoio da Umane, associação civil que financia ações voltadas à promoção da saúde.
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