
Estatal de logística vê receitas caírem, despesas dispararem e enfrenta desafios de modernização em meio à concorrência crescente do setor privado
Por Ana Raquel|GNEWSUSA
A maior empresa pública de logística do Brasil atravessa um dos períodos mais críticos de sua história recente. No primeiro semestre de 2025, os Correios registraram prejuízo recorde de R$ 4,4 bilhões, superando o déficit de todo o ano anterior, que havia alcançado R$ 2,6 bilhões. O resultado divulgado no balanço oficial reforça a necessidade de medidas imediatas para reestruturar a estatal e garantir a continuidade de suas operações.
De acordo com o relatório, a receita caiu 9,5% em relação ao mesmo período de 2024, totalizando R$ 8,9 bilhões, enquanto os custos administrativos e financeiros dispararam, atingindo R$ 13,4 bilhões. Mantido este ritmo, o déficit pode chegar a R$ 8 bilhões até o final de 2025, exigindo do governo aportes de até R$ 20 bilhões para cobrir despesas essenciais, como pagamento de salários e manutenção de operações.
Acompanhamento e auditoria
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu a situação delicada, sem confirmar aportes imediatos: “Estamos monitorando a situação junto ao MGI e à Casa Civil. É um cenário preocupante que exige atenção contínua”.
Paralelamente, o Tribunal de Contas da União (TCU) iniciará auditoria completa das contas dos Correios e do fundo de pensão Postalis, após requerimento aprovado pela Comissão de Transparência do Senado, com relatoria do ministro Bruno Dantas. A direção da estatal afirmou que mantém transparência na prestação de informações às autoridades.
Quatro anos consecutivos de prejuízo
O déficit não é novidade. Após cinco anos de resultados positivos, a estatal registra quatro anos seguidos no vermelho. Entre os sinais mais graves da crise estão atrasos a fornecedores, inadimplência no plano de saúde e ameaças de despejo de imóveis alugados.
Entre os fatores apontados estão a queda nas importações, o aumento de despesas com o Postalis e decisões judiciais que elevaram o valor de precatórios e RPVs para R$ 389 milhões no primeiro trimestre de 2025, frente a R$ 133 milhões no mesmo período de 2024.
Troca de gestão e plano de modernização
O presidente Fabiano Silva dos Santos deixou o cargo em julho após desgaste na gestão, permanecendo interinamente até que fosse escolhido seu sucessor. Em setembro, Emmanoel Schmidt Rondon, funcionário de carreira do Banco do Brasil, assumiu a presidência com a missão de implementar o Programa de Recuperação e Modernização, que inclui investimentos em automação, tecnologia, frota e infraestrutura. A estatal ressaltou que parte da crise decorre de subinvestimentos entre 2019 e 2022, agora corrigidos com novos aportes.
Desafios de competitividade
Especialistas destacam que a crise vai além das finanças. O segmento de e-commerce, altamente lucrativo, migrou em grande parte para transportadoras privadas ou operações próprias de marketplaces como Mercado Livre, Magalu, Shopee e Shein, oferecendo entregas rápidas e preços competitivos.
“O monopólio da estatal permanece apenas nas cartas; no setor de encomendas, perdeu relevância”, afirma Luís Claudio Martão, da Illog Logística Consultoria. A fatia de mercado dos Correios caiu de 54% em 2019 para 38,5% em 2022, segundo relatório da Mordor Intelligence, enquanto as seis maiores transportadoras privadas passaram a concentrar mais de 70% das entregas em volume.
Paulo Fernandes de Oliveira, da FGV-SP, destaca que o Mercado Livre hoje utiliza os Correios em apenas 5% de suas entregas, evidenciando a perda de relevância da estatal nos grandes centros urbanos.
Investimento em tecnologia e integração de canais
Além da concorrência, pesa contra os Correios a necessidade de modernização tecnológica e integração de canais de vendas. A chamada “omnicanalidade” — compras pelo e-commerce, loja física ou WhatsApp com entrega flexível — exige controle logístico e análise de dados em tempo real.
“Sem investimento em tecnologia, rastreamento e automação, os Correios continuarão perdendo espaço para empresas privadas mais ágeis”, afirma Rodrigo de Castro Barros, da Andersen Consulting.
Alternativas e futuro da estatal
A privatização não é considerada pelo governo atualmente. Especialistas sugerem parcerias público-privadas (PPPs) como alternativa para atrair investimentos e modernizar a malha logística de forma mais rápida e eficiente.
Mesmo enfraquecida, a estatal mantém capilaridade única, atendendo todos os municípios brasileiros, incluindo regiões remotas, o que continua sendo uma vantagem estratégica. Porém, para não perder relevância, os Correios precisam se reinventar, investir em automação e tecnologia e recuperar competitividade nos segmentos mais dinâmicos do mercado.
“Os Correios ainda possuem ativos valiosos — frota, centros de distribuição e rede de agências —, mas precisam acelerar a transformação digital para acompanhar a velocidade do mercado”, conclui Oliveira.
Leia mais
Indústria brasileira em colapso: agosto registra pior desempenho em 10 anos
Verão Europeu de 2025 registra 16,5 mil mortes atribuídas ao calor intenso
OMS alerta: violência em Gaza ameaça funcionamento de hospitais
Faça um comentário