Estudo global aponta redução expressiva de infecções e mortalidade no país, impulsionada por melhorias sociais e estrutura do SUS
Por Tatiane Martinelli | GNEWSUSA
Assim como grande parte da América Latina, o Brasil apresentou uma expressiva redução nos indicadores da doença de Chagas entre 1990 e 2023. Segundo dados do Global Burden of Disease (GBD 2023), o número absoluto de casos caiu 16%, enquanto a taxa ajustada por idade — medida considerada mais precisa — teve queda de 61,6%, superando a média global de 55%.
As mortes também diminuíram significativamente: queda de 38,9% no total bruto e de 78,3% na taxa padronizada por idade, uma das maiores reduções do mundo. Ainda assim, o país registrou 5.700 óbitos em 2023, o maior número absoluto global. Já a Bolívia apresentou a maior taxa proporcional de mortalidade, com 4,6 mortes por 100 mil habitantes.
De acordo com o cardiologista Bruno Nascimento, professor da UFMG e coautor do estudo, o tamanho da população brasileira explica parte dos números elevados. “Entre as populações mais vulneráveis, a prevalência é de cerca de 5%, bem menor que em áreas do norte da Argentina, onde chega a 25%. Mas, como o Brasil é muito maior, o número total de mortes acaba sendo alto”, explica.
Nascimento destaca que a persistência da Chagas no país está ligada ao passivo histórico de infecções antigas. “Há pacientes infectados nos anos 1970 e 1980 que só agora desenvolvem complicações cardíacas”, afirma. Segundo ele, melhorias nas condições de moradia e no acesso à saúde levam tempo para se refletir na mortalidade.
Entre os fatores que contribuíram para a redução dos casos estão o avanço da urbanização, as políticas de controle do barbeiro e a testagem obrigatória nos bancos de sangue, que ajuda a identificar casos silenciosos. “A doença de Chagas é muito social, associada à moradia precária, especialmente em casas de pau a pique ou com revestimento de barro”, ressalta o pesquisador.
O Sistema Único de Saúde (SUS) também tem papel fundamental na queda da mortalidade, ao garantir acesso gratuito a medicamentos para insuficiência cardíaca e a dispositivos como marca-passos. “Esse tipo de cuidado especializado não existe em boa parte da América Latina”, afirma Nascimento.
O prolongamento da vida dos pacientes vem alterando o perfil da doença. “Hoje a Chagas é uma doença do envelhecimento. Os pacientes vivem mais, e por isso a prevalência cresce entre 50 e 65 anos”, diz. Esse cenário exige, segundo ele, maior estruturação dos sistemas de saúde, já que as formas cardíaca e digestiva progridem com o tempo e demandam acompanhamento complexo.
Entre os principais desafios, estão a ampliação da triagem sorológica em regiões endêmicas e o acesso a exames como o ecocardiograma, ainda escasso no interior. “Encontrar o paciente e trazê-lo para o sistema é o ponto mais urgente. O diagnóstico precoce permite até o tratamento etiológico, que pode eliminar o parasita em fases iniciais”, destaca o médico.
As áreas mais afetadas no Brasil continuam sendo o norte e o noroeste de Minas Gerais, partes da Bahia e regiões do Pará, onde há transmissão por alimentos contaminados, especialmente o açaí.
O estudo também chama atenção para o crescimento da doença em países não endêmicos, impulsionado pela migração latino-americana. “Nos Estados Unidos, Espanha, Itália e Suíça, o número de casos aumentou mais de 50% desde 1990. Muitos desses países ainda não têm triagem em gestantes ou migrantes, nem protocolos adequados em cardiologia”, alerta Nascimento.
Pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) afirmam que a Chagas já pode ser considerada endêmica nos Estados Unidos, com registros em pelo menos oito estados.
Para Nascimento, a enfermidade continua sendo um retrato das desigualdades sociais. “A Chagas revela quem foi deixado para trás. É uma doença rural, silenciosa e que ainda vitima as populações mais pobres”, conclui.
O estudo foi coordenado pela rede GBD, do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME), da Universidade de Washington, em parceria com o grupo Raise – The Burden of Chagas Disease, com apoio da Fundação Gates, Federação Mundial do Coração, Novartis Pharma e UFMG. O projeto Saúde Pública conta com apoio da associação civil Umane.
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