Em meio a inflação alta, crise habitacional e desgaste político, o país revisa políticas de entrada, limita estudantes e impõe novas barreiras que afetam brasileiros e outros imigrantes em todas as etapas do processo
Por Chico Gomes | GNEWSUSA
A promessa de segurança, emprego e qualidade de vida transformou o Canadá, desde os anos 2000, em um dos destinos mais desejados pelos brasileiros. Anunciado como porto seguro para quem buscava novas oportunidades, o país vive agora um momento de inflexão: cortes em vistos, filas de análise, limitação para estudantes internacionais, protestos contra estrangeiros e insegurança jurídica que afeta tanto quem já mora lá quanto quem ainda sonha em iniciar o processo migratório. Tudo isso em meio a inflação alta, moradia cara e um cenário político tenso.
Entre 2015 e 2024, a população canadense saltou de 35 para 41 milhões — e cerca de 90% desse crescimento veio diretamente da imigração. Em 2022, quase um quarto dos moradores era nascido fora do país, resultado das políticas de portas abertas adotadas por Ottawa: acolhimento de refugiados ucranianos, ampliação de vistos para estudantes e trabalhadores e metas ambiciosas para suprir carências em setores como saúde, serviços e agricultura.
Do paraíso migratório ao sistema sob pressão
Por décadas, o Canadá brilhou como exceção em um mundo onde Estados Unidos e Europa endureciam regras migratórias. Com discurso acolhedor e políticas que enxergavam o imigrante como força econômica, o país se orgulhava desse diferencial.
A base disso remonta ao século 19, quando sua própria lei migratória já definia a sociedade canadense como formada por imigrantes. O sistema de pontos criado nos anos 1960 reforçou esse caminho, avaliando candidatos por qualificação, idioma e potencial profissional.
Sob Justin Trudeau, essa tradição ganhou força: em 2017, o governo se posicionou oficialmente para receber pessoas perseguidas por conflitos e terrorismo; depois da pandemia, elevou as cotas de entrada para impulsionar a recuperação econômica.
Mas o cenário começou a mudar. A crise habitacional, o aumento do custo de vida, a pressão sobre escolas, saúde e infraestrutura e as tensões políticas de 2024 e 2025 colocaram o modelo em xeque. O que antes era sinônimo de oportunidade passou a conviver com relatos de frustração, espera indefinida e regras cada vez mais rígidas.
Identidade, capacidade e um país em disputa
A imigração não é apenas política pública no Canadá — ela é parte da identidade do país. Do fluxo europeu entre os séculos 18 e 19 à chegada de ucranianos no fim daquele século e, mais recentemente, após a invasão russa em 2022, a história canadense é atravessada pela chegada de novos povos.
O desafio atual, porém, é equilibrar essa tradição com a capacidade real de absorção de novos residentes. Em meio ao envelhecimento populacional, baixa natalidade e serviços pressionados, o governo afirma buscar “gestão deliberada” da imigração para garantir sustentabilidade. Do outro lado, imigrantes denunciam o custo humano desse ajuste: vidas em espera, processos parados e sonhos suspensos.
O debate deixou de ser puramente técnico. Hoje envolve narrativa, identidade e disputa de sentidos: o Canadá continua aberto, mas não tão acessível; precisa da imigração, mas tenta reduzir o ritmo; valoriza novos talentos, mas coloca mais barreiras.
Para quem está na fila ou planejando iniciar o processo, o Canadá segue sendo destino possível — mas não mais o país de portas escancaradas. O sonho não acabou, mas mudou de forma: agora exige preparo, resiliência e expectativas ajustadas. O projeto continua, porém o caminho ficou mais estreito, mais lento e mais disputado.
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