Sob o discurso da simplificação, governo inicia fase de “testes” do IVA que já pressiona empresas, produtores e contribuintes
Por Ana Raquel |GNEWSUSA
A partir de janeiro de 2026, o Brasil passa a conviver com uma das maiores mudanças fiscais de sua história recente. Entra em vigor a etapa inicial do novo modelo tributário aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), baseado no chamado IVA dual, que substituirá gradualmente cinco impostos atuais por três novos tributos. Embora o governo Lula trate o período como um “teste técnico”, empresários e especialistas alertam: os impactos práticos começam agora.
O novo sistema prevê a extinção progressiva de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, que darão lugar à CBS (federal), ao IBS (estadual e municipal) e ao Imposto Seletivo, voltado a produtos considerados nocivos. A promessa oficial do Palácio do Planalto é de simplificação. Na prática, porém, o que se desenha é um processo complexo, caro e com elevado risco operacional, especialmente para pequenos e médios negócios — os mais sensíveis a mudanças regulatórias e aumento de burocracia.
IVA simbólico, adaptação real
Em 2026, as alíquotas do novo IVA serão reduzidas e meramente referenciais: 0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS, totalizando 1%. Segundo o Ministério da Fazenda, não haverá aumento imediato da carga, já que os valores poderão ser compensados com tributos já existentes. Ainda assim, as empresas serão obrigadas a destacar os novos impostos nas notas fiscais, mesmo sem recolhimento efetivo.
Ou seja, o custo não será tributário — será burocrático, refletindo a ampliação de obrigações acessórias e controles estatais.
Empresas precisarão atualizar sistemas de gestão (ERP), plataformas de emissão de notas e cadastros fiscais. Quem não se adaptar corre o risco de ter documentos rejeitados eletronicamente, o que pode impedir vendas, contratos e faturamento.
Burocracia digital e insegurança jurídica
Apesar de flexibilizações anunciadas pela Receita Federal, como a não aplicação imediata de penalidades por falhas no preenchimento, especialistas recomendam cautela. O ambiente será de cruzamento automático de dados, e inconsistências hoje toleradas podem resultar em autuações futuras.
A orientação predominante no meio jurídico é clara: cumprir integralmente as novas exigências desde o início, mesmo com o próprio governo reconhecendo que o sistema ainda está em fase de adaptação.
O risco é conhecido do empresariado brasileiro: normas confusas no início e fiscalização rigorosa depois.
Classificação errada pode custar caro
Outro ponto sensível da transição é a revisão cadastral. Enquadramento incorreto de CNAE, NCM ou atividade econômica pode bloquear créditos futuros do IVA, gerar recolhimentos indevidos ou até travar a emissão de notas fiscais.
Como o novo modelo defendido pelo governo Lula promete acabar com a cumulatividade — imposto sobre imposto —, o direito ao crédito dependerá da precisão das informações prestadas agora. Um erro em 2026 pode virar prejuízo permanente a partir de 2027.
Contratos sob risco e preços em debate
A mudança tributária também atinge contratos privados. Fornecedores, prestadores de serviço e parceiros comerciais precisarão rever cláusulas de repasse de tributos, recomposição de preços e neutralidade fiscal.
Sem ajustes claros, disputas judiciais tendem a crescer, alimentando ainda mais a insegurança jurídica, marca recorrente de ambientes regulatórios inflados pelo Estado.
Pessoa física também entra no radar
A reforma patrocinada pelo governo Lula não se limita às empresas. A partir de 2026, pessoas físicas que exerçam atividades consideradas habituais — como venda recorrente ou aluguel de imóveis em larga escala — poderão ser enquadradas como contribuintes do IVA.
Entre os casos previstos estão:
• Venda frequente de imóveis adquiridos recentemente;
• Construção e revenda própria caracterizando incorporação informal;
• Aluguel de múltiplos imóveis com receita anual elevada.
Esses contribuintes deverão se registrar no CNPJ apenas para fins fiscais, ampliando o controle estatal sobre operações individuais, o que gera críticas de setores que defendem a liberdade econômica e a redução da interferência do Estado.
Produtor rural: isenção para pequenos, impacto para médios
No campo, a reforma preserva produtores rurais com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões, garantindo isenção total. Já aqueles que ultrapassarem esse limite passarão a ser tributados pelo IVA, com alíquota estimada próxima de 28%, bem acima da carga atual.
Embora o governo destaque a desoneração de insumos agrícolas, produtores alertam que o aumento da carga sobre médios produtores pode gerar repasse de custos ao consumidor, afetando o preço dos alimentos.
Importações ficam mais caras
A nova lógica do IVA também alcança produtos importados. Bens e serviços consumidos no Brasil passarão a ser tributados no destino, com a incidência conjunta de IBS e CBS, além dos impostos já existentes.
Na prática, compras internacionais podem sofrer elevação relevante de custos, penalizando empresas e consumidores em um cenário já marcado por inflação persistente.
2026: ano de testes para o governo, de risco para quem produz
Embora o discurso do governo Lula minimize os impactos imediatos, o setor produtivo já percebe que a conta da transição será paga agora, enquanto os benefícios prometidos seguem incertos e distantes.
A cobrança efetiva das novas alíquotas começa em 2027, mas 2026 será decisivo: quem não se adaptar, pode ficar para trás.
Em um país onde o Estado cresce mais rápido que a economia, a reforma tributária avança sob o argumento da simplificação, mas reacende uma velha preocupação do empreendedor brasileiro: mais controle, mais burocracia e menos margem para produzir, investir e crescer.
Leia mais
País insular do Pacífico aceita receber imigrantes deportados dos Estados Unidos
Fronteira com o México registra alta histórica e desafia estratégias migratórias dos EUA
Arkansas entra para a história da Powerball com prêmio bilionário

Faça um comentário