Brasil à beira do colapso fiscal: governo e Congresso travam em meio a despesas incontroláveis

Medidas provisórias, aumentos pontuais de impostos e omissão em reformas estruturais colocam país em rota de insolvência fiscal.

Por Gilvania Alves |GNEWSUSA

Enquanto as despesas obrigatórias consomem quase a totalidade do Orçamento, o Brasil segue sem qualquer proposta concreta para conter o avanço desses gastos. Em vez de reformas estruturantes, o governo federal recorre a mudanças pontuais na arrecadação para cumprir metas fiscais, enquanto o Congresso Nacional rejeita aumentos de tributos, mas também evita encarar temas espinhosos. O resultado é um cenário de deterioração contínua das contas públicas, com projeções alarmantes para os próximos anos.

Na mais recente tentativa de reforçar o caixa, o governo editou uma Medida Provisória que aumenta tributos sobre apostas online, aplicações financeiras antes isentas e instituições como fintechs e cooperativas de crédito. A medida foi uma reação à resistência do Congresso em aprovar o aumento do IOF, que havia sido planejado anteriormente. Embora sirvam como resposta imediata à frustração de receitas, as ações pouco contribuem para solucionar o desequilíbrio fiscal de forma permanente.

O anúncio da MP provocou reações imediatas no meio político. Na Câmara dos Deputados, o presidente Hugo Motta foi direto: “Já comuniquei à equipe econômica que as medidas anunciadas em alternativa ao IOF irão ter resistência do Congresso. Temos que entender que apresentar soluções aumentando arrecadação sem corte de gastos não funciona.” Dias antes, ele já havia sinalizado que “não havia compromisso do Congresso de aprovar essas medidas que vêm da MP.”

Mesmo partidos que fazem parte da base governista, como PP e União Brasil, indicaram que se posicionarão contra qualquer tipo de aumento tributário. A movimentação evidencia que, apesar do discurso público de responsabilidade fiscal, nem o Executivo nem o Legislativo demonstram disposição para rever privilégios e distorções no orçamento.

“Ajuste real” dá lugar a improvisos

O pacote anunciado por Fernando Haddad foi classificado por economistas como mais um conjunto de improvisações que evitam mexer no verdadeiro foco do desequilíbrio fiscal. “São medidas para tapar buraco, um remendo tributário, não um ajuste de verdade”, avalia Mauro Rochlin, da Fundação Getulio Vargas. “Podem ajudar a cumprir a meta, mas sem corte de gastos, tudo isso será uma ficção.”

A falta de medidas efetivas para conter o crescimento das despesas obrigatórias — como aposentadorias, salários do funcionalismo e benefícios sociais — vem comprometendo progressivamente a capacidade do governo de operar. Hoje, mais de 94% do orçamento federal está comprometido com gastos que não podem ser cortados, segundo dados da Instituição Fiscal Independente (IFI). E a situação pode piorar: a expectativa é que esse percentual suba para 96% até 2027.

Juliana Inhasz, do Insper, aponta que o cenário de paralisação entre os Poderes cria um impasse que tende a estourar logo adiante. “Sem revisão das despesas obrigatórias, a corda arrebenta no final do ano que vem ou começo de 2027.”

Orçamento à beira da asfixia

Segundo o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026, o Brasil já caminha para um ponto em que não haverá mais espaço para despesas discricionárias — aquelas que permitem ao governo realizar investimentos ou manter a máquina pública em funcionamento mínimo. Em 2028 e 2029, essa margem deve se reduzir a níveis críticos, criando o risco real de colapso administrativo.

Parte do problema tem origem em decisões políticas do próprio governo. A reativação do reajuste do salário mínimo atrelado ao PIB, por exemplo, reintroduziu uma indexação de despesas que havia sido desativada. A aprovação da PEC da Transição, que substituiu o teto de gastos por um novo arcabouço fiscal, também teve impacto direto: ao restabelecer pisos constitucionais de gastos com saúde e educação, reduziu a flexibilidade do orçamento.

Rochlin sintetiza: “Se você tem Previdência, Saúde, Educação e BPC crescendo acima do limite das receitas, não há como o problema estrutural possa ser resolvido no médio e longo prazo.”

Além disso, os precatórios — dívidas judiciais da União — voltarão a ser contabilizados dentro do Orçamento a partir de 2027. Essa despesa, segundo estimativas, pode chegar a R$ 50 bilhões por ano, agravando ainda mais a pressão fiscal.

Congresso resiste aos cortes que importam

Apesar da retórica de ajuste, o Congresso também recua diante dos temas que realmente impactariam o quadro fiscal. Incentivos como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus, que juntos representam uma renúncia de quase R$ 140 bilhões ao ano, continuam intocados. Segundo Rochlin, a omissão tem razões políticas claras: “Eu duvido que mexam nisso agora. Acho que, se fosse para fazer, já teria sido feito.”

A revisão de isenções, frequentemente mencionada por Haddad como uma possibilidade, esbarra na força dos lobbies empresariais e no calendário eleitoral. Juliana Inhasz é cética: “A questão é se eles vão conseguir manter o equilíbrio mínimo esperado [com o cumprimento das metas], porque muitas receitas com as quais o governo conta são apenas previsões.”

Caminho perigoso: dívida e dominância fiscal

Com a dívida pública avançando para 84,2% do PIB até 2028, segundo o PLDO, o risco de dominância fiscal se torna real — uma situação em que os gastos do governo limitam a eficácia da política monetária no controle da inflação. Para o FMI, o cenário é ainda mais grave: o país pode chegar a 99,4% do PIB em dívida pública em 2029.

Rochlin faz um alerta severo: “Não adianta discutir superávit primário se o custo da dívida por si só já pressiona as contas de forma inadministrável.” E completa: “Uma coisa puxa a outra. Não dá para pensar em reduzir a despesa total, que inclui juros, sem conter rapidamente os gastos primários.”

Num ambiente em que o Banco Central só poderá reduzir os juros se houver confiança na trajetória fiscal, a paralisia atual alimenta um ciclo perigoso: gastos crescentes, juros altos, dívida insustentável e estagnação. E tudo isso em um contexto pré-eleitoral que, historicamente, torna cortes ainda menos prováveis.

“Estamos muito próximos do ponto de não retorno”, conclui Rochlin.

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