
Da autorização em tempo recorde à viagem em gelo seco, conheça os bastidores de uma operação que começa horas após o anúncio da OMS e garante milhões de doses para a população
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
Cada segundo importa
Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) anuncia as cepas que irão compor a vacina contra a gripe no hemisfério Sul, em setembro de cada ano, o Instituto Butantan entra em estado de alerta máximo. O comunicado define quais vírus influenza têm maior risco de circular e, a partir dali, começa uma corrida contra o tempo para que a nova formulação esteja disponível no Brasil antes do inverno.
“É um momento de tensão total, como se fosse final de campeonato. Toda a equipe acompanha a reunião ao vivo, já preparada para colocar o plano em prática”, explica Priscila Comone, gerente de Produção de Bancos de Influenza.
As primeiras horas após o anúncio
Logo após a divulgação da OMS, os técnicos verificam quais cepas já estão disponíveis nos bancos do Butantan e quais precisam ser buscadas em laboratórios internacionais. Para não correr riscos, a área de Compras aciona mais de um fornecedor.
“Não podemos depender de apenas uma instituição. Importamos de todos os que tiverem o material pronto, porque qualquer imprevisto pode comprometer a produção”, afirma Luciane Vieira de Jesus, gerente de Compras e Licitações.
Paralelamente, é aberto o Controle de Mudança (CM), protocolo que formaliza a atualização da vacina e libera os próximos passos. Normalmente esse processo levaria dias, mas em situações emergenciais ele é acelerado e concluído em poucas horas, envolvendo mais de dez setores do Instituto.
Do papel à importação
Cerca de 24 horas depois do anúncio, começam as negociações oficiais com os laboratórios. Documentos como o invoice (espécie de nota fiscal) e o packing (informações da embalagem e do transporte) são enviados ao Butantan. Como a cepa precisa viajar a temperaturas em torno de –60 ºC, ela é acondicionada em gelo seco e monitorada por um aparelho chamado data logger, que registra a temperatura minuto a minuto.
Em até 48 horas, o setor de Comércio Exterior do Butantan já solicita a Licença de Importação, documento que autoriza a entrada do material no país. A partir daí, o contato com os fornecedores passa a ser diário até a liberação do embarque.
O voo mais valioso
Apesar de a remessa ser mínima – geralmente duas ampolas com 1 ml de material cada –, sua importância é imensurável. Antes de autorizar o embarque, a equipe analisa a logística para evitar riscos.
“Não podemos permitir que a cepa chegue ao Brasil numa sexta-feira, por exemplo. Isso dificultaria a reposição do gelo seco no fim de semana e colocaria em risco a qualidade do material”, detalha Kátia Rejane Ferreira, analista de Comércio Exterior.
Ao chegar ao aeroporto brasileiro, a carga passa por um processo de liberação prioritária junto à Receita Federal e, em seguida, segue em transporte refrigerado direto para o Butantan. Lá, passa por conferência e é acondicionada em ultrafreezers, de onde seguirá para multiplicação.
Do laboratório à população
Esse esforço coordenado garante que a produção da vacina contra a gripe seja iniciada em tempo hábil para abastecer o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Só o Butantan é responsável por mais de 80 milhões de doses anuais distribuídas em todo o país.
“Quando recebemos a cepa, sabemos que estamos lidando com a peça-chave da vacina da gripe. É o início de meses de trabalho intenso para proteger a população”, resume Karin Yuri Kawazu, analista de Comércio Exterior.
Em 2024, graças a essa engrenagem afinada, o Instituto conseguiu receber a nova cepa em apenas 15 dias após o anúncio da OMS. O resultado: milhões de brasileiros vacinados com um imunizante atualizado contra os vírus em circulação.
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