Relatório global revela que pobreza, moradia precária e falta de serviços básicos criam terreno fértil para crises sanitárias — e aponta soluções estruturais para reverter o ciclo
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
Um estudo mundial divulgado na África do Sul nesta semana revela que desigualdades profundas em educação, habitação, renda e acesso à saúde fazem com que pandemias ocorram com mais frequência, provoquem mais mortes e gerem custos econômicos maiores. Realizado pelo Conselho Global sobre Desigualdade, Aids e Pandemias, após dois anos de investigação, o relatório conclui que sociedades desiguais estão menos preparadas para conter e se recuperar de surtos — e que, sem uma mudança estrutural, os próximos eventos serão ainda mais devastadores.
Panorama das desigualdades
O relatório mapeia uma “cadeia de vulnerabilidade”. Em regiões onde grande parte da população vive em assentamentos informais, com acesso limitado à moradia adequada, saneamento e serviços de saúde, o risco de contágio se eleva. Um exemplo emblemático é o de Mumbai, na Índia, onde quase 60% da população vive em favelas ou assentamentos informais — situação que dificulta o distanciamento social, o isolamento e o controle sanitário.
Durante a crise da Covid-19, os dados mostram que países com maiores índices de desigualdade registraram taxas mais altas de mortalidade, enquanto o impacto econômico e social foi mais profundo. Ao mesmo tempo, a pandemia não apenas expôs essas fragilidades, mas as ampliou: cerca de 165 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza extrema durante a pandemia, enquanto a riqueza dos mais ricos aumentou em mais de 25%.
As mulheres, os trabalhadores informais e as minorias étnicas foram os grupos mais afetados, enfrentando perdas de emprego e rendimentos mais severas. A desigualdade de gênero, social e econômica tem impacto direto na capacidade de resposta de um país a emergências sanitárias.
Por que as pandemias ficam piores em ambientes desiguais
O relatório detalha três mecanismos principais que tornam as pandemias mais graves em sociedades desiguais:
-
Maior vulnerabilidade ao surto — Sem educação de qualidade, habitação adequada ou emprego digno, as pessoas acabam expostas a ambientes de transmissão mais intensos e com menor capacidade de resposta.
-
Resposta mais fraca e lenta — Estados ou regiões com pouca margem fiscal, endividadas ou com sistemas de saúde fragilizados não conseguem mobilizar recursos rapidamente nem apoiar os mais vulneráveis.
-
Círculo de reforço da desigualdade — As pandemias geram desemprego, queda de renda, aumento da pobreza e da dívida pública; isso fragiliza ainda mais o sistema e cria terreno para a próxima crise.
Caminhos para quebrar o ciclo desigualdade-pandemia
Para interromper esse ciclo, o relatório propõe quatro eixos de ação prioritários e interligados:
-
Espaço fiscal e alívio de dívidas: permitir que países em desenvolvimento invistam em saúde, proteção social e infraestrutura sanitária, sem serem sufocados por dívidas.
-
Investimento nos determinantes sociais da saúde: garantir educação de qualidade, habitação segura, trabalho digno e nutrição adequada, reconhecendo que esses fatores são tão importantes quanto vacinas e leitos hospitalares.
-
Acesso equitativo à tecnologia e aos medicamentos: promover a produção regional, suspender temporariamente patentes durante emergências globais e compartilhar conhecimento científico como um bem público mundial.
-
Governança inclusiva e participação comunitária: envolver comunidades vulneráveis nas decisões de preparação e resposta, reforçando a confiança e a eficácia das medidas de saúde pública.
Um apelo global à ação e à solidariedade
O relatório chega num momento em que o financiamento internacional para a saúde enfrenta cortes drásticos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ajuda externa aos sistemas de saúde pode cair entre 30% e 40% este ano, o que ameaça serviços essenciais, da vacinação à saúde materna.
Mais do que um diagnóstico, o relatório é um chamado à ação coletiva. Os autores insistem que as pandemias não são inevitáveis, mas o resultado de escolhas políticas e econômicas que favorecem a desigualdade.
A segurança sanitária, defendem, deve ser reconcebida como uma questão de equidade e justiça global, e não apenas como uma estratégia técnica de contenção de doenças. Ao propor soluções concretas que combinam economia, saúde e direitos humanos, o Conselho Global pretende influenciar as discussões do G20 e reforçar o compromisso internacional com um futuro mais seguro e justo.
Como resume Winnie Byanyima, diretora-executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids):
“Reduzir as desigualdades dentro e entre países é o caminho mais direto para um mundo mais saudável, mais justo e mais preparado.”
Um olhar para o futuro
O relatório, copresidido pelo prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, pela ex-primeira-dama da Namíbia Monica Geingos e pelo epidemiologista britânico Michael Marmot, deixa claro que a próxima pandemia não precisa repetir os erros do passado.
Quebrar o ciclo desigualdade-pandemia não é apenas uma questão de saúde pública; é uma questão de sobrevivência coletiva e de humanidade compartilhada.
- Leia mais:

Faça um comentário