Apesar da queda do consumo convencional de tabaco, o avanço dos “vapes” ameaça inverter progressos em saúde pública — adolescentes estariam em risco elevado de dependência
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
Em um movimento que preocupa autoridades de saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou recentemente que ao menos 15 milhões de jovens de 13 a 15 anos em todo o mundo já fazem uso de cigarros eletrônicos. O dado faz parte do primeiro levantamento global da Organização sobre o uso desse tipo de produto — que, diferentemente do cigarro tradicional cuja prevalência está em queda, mostra crescimento entre os mais jovens. Especialistas apontam que essa tendência representa não apenas um risco direto à saúde desses adolescentes, mas também pode comprometer toda a trajetória de controle do tabagismo construída nas últimas décadas.
Contexto e principais achados
A OMS informa que o consumo global de tabaco tradicional vem diminuindo, mas ainda permanece alto: cerca de um em cada cinco adultos continua dependente de produtos de tabaco.
Em paralelo, indústrias do tabaco e de produtos de nicotina estariam migrando seus esforços para “novos produtos” — como cigarros eletrônicos ou vapes — que têm forte apelo entre adolescentes.
Segundo o relatório, há pelo menos 86 milhões de usuários adultos de cigarros eletrônicos no mundo, sendo a maioria em países de alta renda.
Em países com dados disponíveis, adolescentes de 13 a 15 anos estariam, em média, nove vezes mais propensos a usar cigarros eletrônicos do que adultos.
Por que isso é alarmante?
1. Cérebro em desenvolvimento
A adolescência é uma fase crucial de maturação neurológica, e a exposição precoce à nicotina pode comprometer atenção, memória e autorregulação emocional. Embora os riscos específicos dos vapes ainda sejam objeto de estudo, o fato de tratarem-se de veículos de entrega de nicotina — substância altamente aditiva — já acende um sinal de alerta.
2. Risco de transição para outros produtos
O uso de cigarros eletrônicos entre jovens pode aumentar a probabilidade de que eles passem a fumar cigarros convencionais ou outros produtos de tabaco.
3. Marketing dirigido e manobras da indústria
O relatório alerta que a indústria de nicotina está reagindo à queda no tabagismo tradicional com novos produtos voltados aos jovens — com sabores atrativos, design discreto e apelo “tecnológico”.
4. Potencial reversão de ganhos em saúde pública
Depois de décadas em que muitos países conseguiram reduzir de forma expressiva o número de fumantes, o crescimento dos vapes ameaça desfazer parte desse avanço. A OMS destaca que, enquanto milhões de pessoas deixam de usar produtos de tabaco, a indústria reage criando novas formas de dependência voltadas especialmente para o público jovem.
O que ainda não se sabe e desafios pela frente
Há lacunas de dados em muitos países — o número de 15 milhões refere-se a uma estimativa global de adolescentes entre 13 e 15 anos que usam cigarros eletrônicos, mas os dados variam conforme o país.
Os efeitos de longo prazo do uso desses dispositivos entre jovens ainda são pouco conhecidos: embora sejam, em muitos casos, menos danosos que cigarros convencionais, “menos danoso” não significa “inofensivo”.
Regular os vapes também enfrenta dificuldades: sabores, dispositivos disfarçados, comércio online e marketing digital escapam às regulações tradicionais criadas para o tabaco convencional.
O que pode (e deve) ser feito
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Fortalecer leis que restrinjam a venda de produtos de nicotina a menores de idade, proíbam sabores atrativos e limitem a publicidade dirigida a jovens.
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Incluir cigarros eletrônicos nas políticas de controle do tabaco — como tributação, advertências nos rótulos, e restrições em locais públicos.
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Investir em educação e conscientização: pais, escolas e profissionais de saúde precisam estar alertas para o apelo desses dispositivos e seu potencial de dependência.
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Ampliar a coleta de dados nacionais e regionais sobre o uso de cigarros eletrônicos entre adolescentes, para que as políticas sejam baseadas em evidências locais.
Relevância para o Brasil
Embora o estudo global não apresente um número específico para o Brasil, o país se destaca historicamente na luta contra o tabagismo. O desafio agora é adaptar as políticas já existentes para abranger os novos produtos de nicotina, intensificando campanhas de prevenção voltadas à juventude e reforçando a vigilância sobre a comercialização irregular de cigarros eletrônicos.
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