Sociedades médicas reforçam que reposição só tem indicação comprovada para perda persistente de libido na pós-menopausa; aumento do uso recreativo expõe mulheres a riscos hormonais, cardiovasculares e ginecológicos
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
O uso indiscriminado de testosterona entre mulheres — impulsionado por promessas de ganho de massa muscular, emagrecimento e aumento de vitalidade — tem crescido de forma preocupante no Brasil, apesar da ausência de formulações aprovadas para uso feminino e da falta de evidências científicas para a maior parte das promessas difundidas nas redes sociais. Diante da tendência, importantes sociedades médicas reforçam que a única indicação reconhecida internacionalmente para a terapia de testosterona em mulheres é o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) na pós-menopausa.
Uso cresce sem indicação médica
A pressão estética, a eterna busca por juventude e a onda de conteúdo digital sobre hormônios têm levado cada vez mais mulheres — inclusive jovens — a recorrerem à testosterona para fins estéticos e de desempenho físico. Embora não existam dados nacionais atualizados sobre essa procura, o aumento da demanda foi percebido por endocrinologistas e ginecologistas.
Em maio de 2025, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia emitiram um comunicado conjunto reafirmando a indicação única e segura do hormônio: TDSH em mulheres pós-menopáusicas, após rigorosa exclusão de outras causas para a queda de libido.
“Muitas mulheres buscam a testosterona para emagrecer, ganhar massa magra ou melhorar a disposição, mesmo sem deficiência androgênica comprovada”, afirma o endocrinologista Felipe Henning Gaia Duarte, presidente da SBEM-SP.
O que se sabe cientificamente
Embora conhecida como hormônio masculino, a testosterona exerce funções importantes também nas mulheres, especialmente relacionadas à libido, massa muscular e energia. Ainda assim, as evidências para seu uso terapêutico são restritas.
Indicação com base sólida: TDSH
Uma revisão publicada em 2019 no The Lancet Diabetes & Endocrinology, com 46 ensaios clínicos e mais de 8 mil mulheres, demonstrou que doses fisiológicas do hormônio podem melhorar prazer, excitação e desejo sexual, sem aumento de eventos adversos graves no curto prazo.
Esse estudo fundamentou o Consenso Global sobre Terapia de Testosterona em Mulheres (2019), referência mundial que até hoje não recomenda o uso da testosterona para fins estéticos, cognitivos ou de desempenho físico.
Evidências preliminares em outras áreas
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Nature (2022): estudo observacional apontou associação — não causalidade — entre testosterona mais alta e maior densidade óssea em mulheres de meia-idade.
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JAMA (2025): pesquisa sobre testosterona associada à fisioterapia em idosas pós-fratura de quadril mostrou ganho modesto de força.
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Clinical Endocrinology (2025): identificou relação estatística entre testosterona e proteção cognitiva em mulheres pós-menopausa, sem comprovar o efeito direto.
Ou seja: não há respaldo para indicar testosterona como anti-idade, antidepressivo, ‘hormônio da vitalidade’ ou estimulante de performance física.
Riscos reais: do metabolismo ao sistema reprodutivo
O uso fora de indicação formal expõe mulheres a efeitos adversos significativos, especialmente quando feito sem supervisão ou com doses inadequadas. Os principais riscos incluem:
Efeitos androgênicos (virilização)
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acne intensa
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queda de cabelo em padrão masculino
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engrossamento da voz
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aumento de pelos
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hipertrofia clitoriana (muitas vezes irreversível)
Alterações metabólicas e cardiovasculares
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resistência à insulina
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piora do colesterol
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alterações de pressão
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risco de danos hepáticos (sobretudo com formulações inadequadas)
Impacto ginecológico
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irregularidades menstruais
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atrofia endometrial
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possível prejuízo à fertilidade
“Entre os efeitos mais difíceis para as pacientes está a hipertrofia clitoriana, que pode permanecer mesmo após suspensão do hormônio”, alerta o ginecologista José Maria Soares Junior, da Febrasgo.
Exames imprecisos dificultam diagnóstico e acompanhamento
Confirmar deficiência de testosterona em mulheres é um desafio técnico.
Por quê?
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Níveis hormonais muito baixos: muitas vezes próximos ao limite de detecção dos testes convencionais.
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Imunoensaios pouco precisos, especialmente para baixas concentrações.
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Ausência de valores de referência amplos e padronizados considerando ciclo menstrual, menopausa e variáveis étnicas.
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Diferenças entre métodos laboratoriais (imunoensaio x radioimunoensaio x espectrometria de massa).
Segundo Duarte, “cada método gera um valor diferente, o que torna complexa a definição de normalidade para a mesma paciente”.
A espectrometria de massa, considerada padrão-ouro, ainda é limitada em disponibilidade no Brasil.
Pressões estéticas e a medicalização do envelhecimento
Especialistas apontam que parte do interesse pela testosterona está vinculada à dificuldade social de aceitar o envelhecimento feminino.
“A testosterona não reverte o envelhecimento e seus ganhos estéticos são, na melhor das hipóteses, modestos frente aos riscos”, afirma Soares Junior.
A ginecologista Helena Hachul De Campos, do Hospital Israelita Albert Einstein, reforça que muitas queixas do climatério têm origem multifatorial — emocional, relacional, metabólica — e devem ser avaliadas de forma integrada.
Caminhos alternativos à reposição hormonal
Estratégias com boa base científica incluem:
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terapia cognitivo-comportamental (estudo do HC-USP – Clinics, 2022 mostrou melhora do desejo sexual em grupo)
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prática regular de exercícios
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ajustes no sono e nutrição
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suporte psicológico
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tratamento de condições crônicas como diabetes, hipotireoidismo e doenças cardíacas
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medicamentos não hormonais para TDSH em casos selecionados
Enfrentar a desinformação é fundamental
Com o domínio de influenciadores e perfis não especializados, cresce a distorção sobre hormônios. Para os especialistas, informação de qualidade é central para proteger as pacientes e para que decisões terapêuticas sejam compartilhadas entre médico e paciente.
“É preciso clareza sobre benefícios reais e riscos concretos”, reforça Soares Junior.
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