Negociações travadas evidenciam limites da política externa brasileira e frustração do Mercosul
Por Ana Raquel |GNEWSUSA
O novo adiamento do acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul reforça a percepção de desgaste da diplomacia conduzida pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apresentado como uma das prioridades da política externa brasileira, o tratado volta a emperrar em meio a impasses ambientais, pressões protecionistas europeias e falta de consenso político entre os países envolvidos.
Negociado desde 1999, o acordo UE–Mercosul chegou a ser anunciado como “praticamente fechado” em diferentes momentos, inclusive durante o atual mandato de Lula. No entanto, mais uma vez, a expectativa de assinatura foi frustrada, revelando obstáculos que vão além da retórica diplomática e expõem limites concretos da capacidade de articulação do Brasil no cenário internacional.
Resistência europeia e pressão interna
Do lado europeu, o principal foco de resistência segue vindo de países como França, Áustria, Irlanda e Polônia, que alegam riscos à agricultura local e cobram garantias ambientais mais rígidas por parte dos países do Mercosul. Produtores rurais europeus pressionam seus governos, temendo concorrência com produtos sul-americanos, especialmente carne e grãos, a preços mais baixos.
Além disso, o chamado instrumento adicional ambiental, proposto pela União Europeia, é visto por governos do Mercosul como uma imposição unilateral, com sanções e obrigações que não estavam previstas no texto original do acordo. O Brasil e a Argentina avaliam que essas exigências comprometem a soberania nacional e criam um desequilíbrio nas obrigações entre as partes.
Diplomacia ativa, resultados limitados
Desde o início do atual governo, Lula investiu em uma diplomacia pessoal intensa, retomando viagens internacionais, encontros multilaterais e discursos voltados à reconstrução da imagem ambiental do Brasil. O presidente e o Itamaraty apostaram que o reposicionamento do país em temas como meio ambiente e mudanças climáticas destravaria o acordo.
Apesar disso, os resultados concretos não se materializaram. Mesmo com promessas de combate ao desmatamento e retomada do protagonismo ambiental, a União Europeia manteve suas reservas, demonstrando que a questão ultrapassa o discurso político e envolve interesses econômicos e eleitorais internos dos países-membros.
Impactos econômicos e frustração no Mercosul
O adiamento do acordo representa uma perda estratégica para o Mercosul, especialmente para o Brasil, que vê no tratado uma oportunidade de ampliar exportações, atrair investimentos e diversificar mercados. O acordo criaria uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, abrangendo mais de 700 milhões de consumidores.
Setores industriais e do agronegócio brasileiro acompanham com frustração a falta de avanço, enquanto países como Argentina, Uruguai e Paraguai também demonstram cansaço com a indefinição. Há, inclusive, movimentos internos no Mercosul defendendo maior flexibilização do bloco para permitir acordos bilaterais independentes, o que enfraquece a posição conjunta nas negociações.
Sinal político negativo
No campo político, o novo fracasso enfraquece o discurso do governo Lula de que o Brasil voltou a ser protagonista global. A incapacidade de concluir o acordo, mesmo com um cenário internacional inicialmente favorável e com governos ideologicamente próximos em parte da Europa, gera questionamentos sobre a efetividade da estratégia diplomática adotada.
Mais do que um entrave técnico, o adiamento do acordo UE–Mercosul se consolida como um símbolo das dificuldades do governo em transformar capital político em resultados práticos, evidenciando que prestígio internacional e boa retórica não são suficientes para superar interesses econômicos e disputas internas complexas.
Enquanto isso, o acordo segue no limbo diplomático, acumulando promessas, frustrações e a sensação de que, mais uma vez, o Brasil perdeu uma janela estratégica no comércio internacional.
Leia mais
Saul Sabbá, ex-dono do Banco Máxima, escapa da prisão após acordo por gestão fraudulenta
Escândalo do INSS envolve aliados centrais do governo Lula

Faça um comentário