
Trabalhadores rejeitaram proposta da empresa de aumento salarial de 25% em quatro anos. Empresa perdeu mais de US$ 25 bilhões nos últimos seis anos.
Por Tatiane Martinelli | GNEWSUSA
No epicentro da greve da Boeing, que teve início na sexta-feira (13), está uma narrativa que revela o que acontece quando líderes desatentos perdem a noção da realidade, enquanto os trabalhadores assumem a responsabilidade de restabelecer o equilíbrio.
No ano passado, a Boeing registrou prejuízo. Na verdade, desde 2018, a fabricante de aviões tem enfrentado perdas financeiras constantes, decorrentes de uma sequência de acidentes trágicos e quase desastres que arruinaram sua reputação e saúde financeira. Se fosse qualquer outra empresa — e não parte de um duopólio global que poderia enfrentar colapsos —, a Boeing provavelmente estaria em processo de falência.
Mesmo assim, em 2023, o CEO — formado em contabilidade — viu seu salário subir 45%, alcançando quase US$ 33 milhões, enquanto os 33.000 funcionários sindicalizados da empresa enfrentam salários congelados.
A indignação entre os trabalhadores é palpável
Anos de frustração acumulada devido à má gestão na Boeing, somados à inflação resultante da pandemia e a um ressurgimento do movimento trabalhista, tornaram esta greve uma consequência previsível.
A relação entre a administração da Boeing e os sindicatos sempre foi complexa, marcada por conflitos. Greves anteriores — a mais recente em 2008 — ocorreram em um clima de hostilidade intensa, mas, segundo Richard Aboulafia, diretor administrativo da AeroDynamic Advisory, a última onda de tensões tem sua raiz na postura da gerência.
Em 2014, o CEO James McNerney provocou descontentamento ao afirmar que adiaria sua aposentadoria, num tom que sugeria desprezo pela força de trabalho. Embora tenha se desculpado posteriormente, suas palavras deixaram uma marca difícil de apagar.
Agora, sob a liderança da nova CEO Kelly Ortberg, que assumiu o cargo há apenas cinco semanas, a situação representa um grande desafio. Ortberg, uma engenheira mecânica com vasta experiência na indústria, é encarregada de reverter uma década de decisões que priorizaram a eficiência em detrimento da qualidade e que desgastaram o relacionamento da empresa com seus trabalhadores – cerca de 20% da força de trabalho da Boeing.
Uma greve não é a melhor recepção para a nova CEO, especialmente em meio a múltiplas crises na empresa, como investigações federais após um quase desastre e desafios com clientes insatisfeitos, além de um desfalque de 40% em suas ações este ano.
No entanto, Ortberg parece ter ganhado alguma simpatia. Em seu primeiro dia, ele visitou as fábricas em Renton, Washington, e optou por trabalhar de Seattle, mais próximo dos trabalhadores, e distante dos escritórios corporativos na Virgínia, que simbolizam a desconexão da empresa com suas raízes.
Antes da greve, ele pediu aos funcionários que não optassem pela paralisação, reconhecendo a frustração acumulada ao longo de contratos passados que reduziram benefícios críticos. Jon Holden, líder sindical da Associação Internacional de Maquinistas, reconheceu que o novo CEO enfrenta um grande desafio, pois compensar 16 anos de concessões não é uma tarefa fácil.
Aboulafia se mostrou esperançoso de que a greve atinja um fim em breve, destacando a mudança de abordagem na liderança.
As razões pelas quais o sindicato rejeitou a proposta da Boeing, que incluía um aumento de 25% ao longo de quatro anos, são complexas e refletem uma demanda por mais segurança no emprego e melhores salários. O ressentimento é alimentado por decisões passadas da empresa, como a construção de uma fábrica não sindicalizada na Carolina do Sul e a transferência de produção durante a pandemia.
Dessa forma, a greve não apenas expressa a insatisfação dos trabalhadores, mas também ecoa um movimento mais amplo de restabelecimento de poder sindical nos Estados Unidos.
O histórico de concessões do passado pesa sobre os membros, que exigem um reconhecimento justificado em tempos de lucratividade para a Boeing. Como ressaltou Sharon Block, muitos trabalhadores não esquecem o que perderam e estão determinados a lutar por seus direitos, o que enfatiza a importância da solidariedade e memória coletiva na luta sindical contemporânea.
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