
Projeto em tramitação no Senado amplia punições a críticas eleitorais, enquanto histórico recente mostra atuação desigual da Justiça contra parlamentares conservadores.
Por Gilvania Alves |GNEWSUSA
A proposta de um novo Código Eleitoral, relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), reacendeu o alerta sobre a possibilidade de se institucionalizar a censura política no Brasil. O texto, que criminaliza quem “desestimular o exercício do voto e deslegitimar o processo eleitoral”, acende um sinal vermelho especialmente para candidatos e comunicadores de direita, historicamente mais críticos ao sistema atual.
O avanço da proposta no Senado ocorre em meio a um contexto de endurecimento do discurso institucional contra qualquer contestação ao processo eleitoral. Ainda que o relator negue intenções de censura, especialistas, juristas e parlamentares conservadores apontam que a redação vaga do artigo 859 pode abrir espaço para interpretações subjetivas e perseguições políticas disfarçadas de “combate à desinformação”.
Durante a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o senador Rogério Marinho (PL-RN) foi direto em sua crítica ao projeto: “Você está criminalizando a crítica, está restringindo o debate público, está imputando penas às pessoas pela simples discordância”.
Nos bastidores políticos, a preocupação é que a nova legislação seja usada como arma para calar opositores e blindar narrativas oficiais, especialmente em ano eleitoral. A experiência recente nas eleições de 2018 e 2022 não deixa dúvidas sobre o rumo que o país pode tomar se o Código for aprovado da forma como está.
A atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante esses pleitos revelou uma tendência clara: candidatos e eleitores conservadores foram duramente punidos por manifestarem desconfiança sobre as urnas eletrônicas. Sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, a Corte chegou a remover dezenas de postagens, bloquear perfis parlamentares e tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por expressar críticas públicas ao sistema de votação.
“Sob o manto da proteção do processo eleitoral, o texto é vago e aberto. Termos como ‘atentado grave à igualdade’ ou ‘deslegitimação’ permitem interpretações subjetivas por autoridades, o que afronta princípios básicos do Direito”, afirmou o advogado Richard Campanari.
Além disso, Campanari destacou o risco de um “efeito silenciador” causado pelo medo de punições: “Isso impõe um dever de checagem irrealista ou impossível, sobretudo no ambiente das redes sociais. O resultado inevitável é um chilling effect: o medo de responsabilização penal levará eleitores, jornalistas e candidatos a evitarem manifestações críticas ou debates legítimos”.
Esse receio se agrava diante do cenário no Supremo Tribunal Federal (STF), que já formou maioria para alterar o Marco Civil da Internet. A decisão, que elimina a exigência de ordem judicial para responsabilizar plataformas por conteúdos, tende a ampliar a margem para bloqueios unilaterais — um prato cheio para quem deseja controlar o debate online.
Enquanto isso, figuras da esquerda que também já questionaram a segurança das urnas eletrônicas permanecem intocadas. Em 2013, Flávio Dino — hoje ministro do STF — declarou que as urnas brasileiras eram “extremamente inseguras e suscetíveis a fraudes”, citando estudos que apontavam vulnerabilidades no sistema.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) foi além e afirmou, em 2018, que “Bolsonaro não seria presidente se as eleições de 2018 não tivessem sido fraudadas”. Nenhuma medida judicial foi tomada contra essas declarações. A seletividade no tratamento das falas revela uma preocupante parcialidade institucional.
Durante depoimento ao STF, Bolsonaro resgatou esse histórico para justificar que sua postura crítica não foi inédita nem isolada: “A desconfiança em relação às urnas eletrônicas já havia sido manifestada por diversos atores políticos, inclusive da esquerda, e por isso não poderia ser considerada, por si só, um ataque à democracia”.
Em contrapartida, o ex-deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), um dos mais votados no Paraná em 2018, teve seu mandato cassado por questionar o sistema eleitoral em uma live. A liminar que havia sido concedida pelo ministro Nunes Marques foi posteriormente derrubada pela Segunda Turma do STF.
A mesma lógica se aplicou à deputada federal Carla Zambelli, que teve seu diploma cassado por declarações sobre as urnas em 2022. Apesar do recurso em andamento no TSE, a parlamentar também foi alvo do STF em outro processo, reforçando a ideia de uma ofensiva coordenada contra membros da direita.
Para o advogado André Marsiglia, o real motivo de preocupação dos tribunais não seria a crítica em si, mas seu alcance popular. “A esquerda não mobiliza ninguém, a direita mobiliza. E o receio dos tribunais, portanto, não é do questionamento, mas da mobilização popular a partir dos questionamentos.”
A proposta do novo Código, se aprovada, poderá legalizar uma forma de censura institucional, disfarçada de zelo pela democracia. Em uma democracia real, discordância e crítica são sinais de vitalidade, não de crime. A livre manifestação do pensamento, inclusive sobre as regras do jogo, é um direito constitucional — e jamais pode ser substituída por uma “verdade oficial” imposta por quem detém o poder.
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