
Maior estudo genético já feito sobre o distúrbio da fala identifica 57 regiões do DNA associadas à gagueira e aponta ligação com autismo, depressão e musicalidade.
Por Paloma de Sá | GNEWSUSA
A ciência acaba de dar um passo importante rumo à compreensão da gagueira, um dos distúrbios de fluência mais comuns no mundo. Um estudo de grande escala publicado nesta semana pela revista Nature Genetics revelou evidências genéticas robustas que podem explicar a condição, frequentemente alvo de preconceito e mal-entendidos.
A pesquisa analisou dados de quase 1 milhão de pessoas e identificou 57 regiões do DNA humano e 48 genes que podem estar envolvidos no desenvolvimento da gagueira. A descoberta representa a maior análise genética já realizada sobre o tema e pode abrir caminho para novos tratamentos e formas de diagnóstico precoce.
A gagueira, que costuma surgir entre os 2 e 5 anos de idade, afeta mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Ela se manifesta por repetições involuntárias de sílabas ou palavras, prolongamentos de sons e pausas inesperadas na fala. Apesar de comum, o transtorno ainda é cercado de estigmas e suposições incorretas — muitos ainda atribuem a condição a fatores emocionais, traumas de infância ou até mesmo à personalidade do indivíduo.
Para Jennifer Below, pesquisadora principal do estudo e professora da Universidade Vanderbilt (EUA), essas explicações são ultrapassadas. “Há séculos circulam ideias erradas sobre a gagueira, como a crença de que ela é causada por traumas ou falhas familiares. Nosso estudo mostra que a origem é biológica: está nos genes”, afirma.
Impactos sociais e emocionais
Embora não represente um risco direto à saúde física, a gagueira pode ter impactos profundos na qualidade de vida. Estudos mostram que pessoas que gaguejam frequentemente enfrentam bullying, exclusão social e dificuldades no ambiente escolar e profissional. Os índices de depressão e pensamentos suicidas entre esse grupo também são alarmantes.
“Esses transtornos não costumam levar as pessoas ao hospital, mas suas consequências emocionais e sociais são significativas”, explica Below. “Compreender os fatores genéticos é essencial para oferecer um suporte mais efetivo desde a infância.”
O que a pesquisa descobriu
Utilizando dados genéticos da empresa 23andMe, os pesquisadores compararam os perfis de 99.076 pessoas que relataram já ter gaguejado com quase 1 milhão de indivíduos que nunca apresentaram a condição. Os dados foram divididos por sexo e ancestralidade para garantir maior precisão.
Entre os 57 pontos identificados no DNA, o gene VRK2 apresentou o sinal mais forte de associação com a gagueira. Esse gene está relacionado ao desenvolvimento do cérebro e também já foi ligado a doenças como esquizofrenia, epilepsia e esclerose múltipla.
A pesquisa também aponta que a gagueira compartilha bases genéticas com o autismo, a depressão e até a musicalidade. “Historicamente, considerávamos linguagem, fala e musicalidade como áreas separadas, mas agora vemos que elas podem ter raízes genéticas comuns”, observa Below.
Essa interligação reforça uma teoria crescente entre especialistas: dificuldades com ritmo — como acompanhar o compasso de uma música — podem estar associadas ao surgimento da gagueira.
Limitações e próximos passos
Os autores do estudo reconhecem algumas limitações. Uma delas é o desequilíbrio entre os gêneros dos participantes: embora a gagueira afete mais homens do que mulheres, o número de mulheres analisadas foi maior. Além disso, a amostra teve baixa representação de pessoas com ascendência africana e asiática, o que dificultou conclusões mais amplas sobre essas populações.
Apesar disso, os cientistas acreditam que essa descoberta marca o início de uma nova fase nas pesquisas sobre fluência da fala. O objetivo agora é aprofundar a identificação dos genes envolvidos e, futuramente, desenvolver terapias mais eficazes e personalizadas.
Acima de tudo, o estudo tem potencial para transformar a percepção pública sobre a gagueira. Ao demonstrar sua origem genética, os pesquisadores esperam reduzir o estigma social, oferecendo uma explicação mais justa e científica para um distúrbio que, até hoje, é alvo de piadas e discriminação.
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