
É extremamente normal, para brasileiros ou qualquer pessoa que mora nos Estados Unidos, o envio de caixas por meio de contêineres ao Brasil ou país de origem. Mas imagine que depois de meses, os pertences não chegam até as casas. Pior que isso, ainda recebe uma cobrança pelo tempo em que o contêiner está parado no porto. Essa é a situação de Marina Caldeira e de diversos outros brasileiros.
Para discutir e tentar esclarecer o caso, o repórter investigativo Thathyanno Desa chamou Marina e o advogado Thiago Coelho, que explicou os motivos das retenções por parte da Alfândega.
Segundo Marina, ela procurou uma empresa que pudesse entregar as caixas ainda em fevereiro. E não faz ideia de quando elas irão aparecer.
“Queria ter uma segurança e perguntei como seria. Eram coisas minhas, iam para a minha família e falaram que eu podia pagar um seguro. E que por isso, eu não precisaria pagar mais nada na Receita Federal. Aí eu enviei os documentos para a empresa, me pediram 50% do valor, fiz uma transferência e quando foram recolher as caixas na minha casa, eu dei um cheque com o restante, além de ter pago 1 mil dólares de seguro. Eu inclusive comentei com o rapaz que a caixa tinha coisas sensíveis, que não podia bater nem virar. Ele foi muito compreensivo, me entregou a nota especificando. Foram seis caixas. E quando deu o prazo, não chegou. Disse que não estava liberando por causa do Covid que teve um atraso. Depois eu retornei e me mandaram um e-mail pedindo uma procuração ao Dr Thiago. E então chegou na minha mãe uma cobrança. Ele falou que era uma cobrança do porto. Entrei em contato com a empresa e disseram para desconsiderar porque estava pago. Quando uma amiga olhou os documentos, disse que o contêiner estava todo no meu nome. No papel tinha 165 caixas no meu nome. Mas minhas caixas eram seis. Nos documentos dizem que a dívida está no meu nome. E tem que pagar 150 dólares por dia mais as custas. Eu sou leiga no assunto, e querem que pague a dívida para liberar o contêiner. A única coisa que eu quero é limpar o meu nome e receber o que é meu. Eu conheço a Receita Federal. Sei que isso não prescreve. É uma dívida que aumenta. Conheço os procedimentos. Quero limpar o meu nome e receber o que é meu”, contou a brasileira.
Thiago, que é advogado no Brasil, atuando nos portos, contou que foi contratado pelo despachante aduaneiro, o Sr. Sérgio para intervir nestes processos administrativos. Ele explicou que foi contratado para fazer a defesa por um contêiner parcial em nome de Marina Santos Caldeira. E também explicou o motivo de tantas retenções.
“A Alfândega tem uma equipe, uma estrutura interna que é guiada por portaria. E essas retenções são recorrentes. De tempos em tempos acontece. Se a dona Marina tivesse enviado os bens dela em 2020, não teria acontecido isso. Foram retidos 41 contêineres. E destes 41, ao menos 25 têm a ver com empresas que atuam nos Estados Unidos e que realizam o transporte de bagagem desacompanhada com isenção de impostos. E para isso tem que ter residência fixa no Brasil e tem intenção de voltar. E assim são encaminhadas as caixas, quando espera receber na residência no Brasil. E a Alfândega criou um procedimento de retenção para fazer repressão, averiguação, contra contrabando, descaminho, importação fraudulenta, tráfico de drogas, armas, munição, é um procedimento geral pela alfândega. E o ano de 2021 foi escolhido”, disse, sobre a instrução normativa 1986/2020 artigo 11.
“Sobre as retenções. Não estou dizendo que o conteúdo do contêiner tem isso, mas é um contêiner de carga compartilhada. É um contêiner compartilhado em nome da empresa S.O. Express, que tem o documento que cita o número do contêiner de dona Marina. O Sérgio está sofrendo do mesmo modo. E a culpa é de quem? Todos estão sofrendo a mesma pressão. Para uma pessoa, como gerente comercial que atua em nome do terminal, que assumiu uma concessão e está louco para se ver livre daquele contêiner. Mas não consegue se ver livre porque não tem autorização de desova. E só quem libera é a Alfândega. É culpa da Covid? Em parte, já que o Porto de Santos, até maio, junho, não estava tendo atendimento presencial. E quando vai ser liberado isso? Depende da Alfândega. Ela tem que cumprir prazos, ter recursos humanos para conseguir fazer. Nós queremos pra ontem. Se cada um que é advogado, tivesse uma crise de ansiedade, já teria infartado por esperar. É muito burocrático o nosso sistema. O ponto é que uma retenção está acontecendo. E não é só esse contêiner”, completou o advogado.
Segundo ele, o aviso de cobrança feito a Marina, também foi enviado às outras pessoas que compartilham o contêiner, como uma forma de pressão, para que acionem advogados em busca de liberar o conteúdo do porto. “Nem todo conteúdo de contêiner é de um importador só. Neste contêiner, tem mais quatro ou cinco pessoas, pois é um contêiner compartilhado”, disse.
O advogado também voltou a pedir paciência às pessoas e destacou que muitas destas retenções ocorrem por fraudes cometidas, e que como não é possível saber o conteúdo dos contêineres antecipadamente, é necessário fazer essa vistoria. “A gente quer receber isso pra ontem. Muitas pessoas estão aguardando seus bens, e têm que ter paciência, e muitas vezes não tem, e acabam metendo os pés pelas mãos. A senhora foi escolhida como bode expiatório, e os outros cinco também, para que cobrem do outro. A Alfândega, exclusivamente, tem a culpa disso tudo, pois foi ela que fez a retenção. E causa as diárias. Pela falta de devolução para o contêiner, elas ocorrem após um período free time, de 21 dias. São como uma hospedagem de hotel e passou dos 21 dias, porque teve a retenção. E é por isso que como advogado, vou fazer a defesa que essa cobrança é abusiva. E que o agente de carga não pode cobrar judicialmente porque o documento está no nome da S.O. express, e não da dona Marina”.
Thiago citou que essas retenções estão ocorrendo em pelo menos três portos, e atingindo inúmeras pessoas. “Tem caso de pessoa que transportou sofá, colchão, que a mulher está grávida, enxoval da criança está todo lá dentro. Ela já deve até ter tido a criança e não pôde usufruir do enxoval por causa da retenção”, disse.
Segundo o advogado, assim que passar o tempo necessário do processo, vai entrar com um mandado de segurança, que é uma forma do juiz intervir neste cenário.
Também não há um prazo definido para que as caixas sejam liberadas, mas a expectativa é que isso ocorra no ano que vem. “Os contêineres de fevereiro já estão sendo liberados. A luz no fim do túnel, é que os contêineres que chegaram em maio, junho, julho, vão ter o semestre todo consumido por causa da retenção, já que são toneladas de contêineres e a Alfândega não tem recursos humanos suficientes. Os horários de atendimento estão reduzidos”.
Thathyanno também perguntou ao advogado, se Marina e as demais pessoas envolvidas poderiam processar a Alfândega. “Contra a Alfândega, um processo por danos morais, dificilmente vai ocorrer. Mas poderia se ela fosse cobrada pela diária, algo que não vai ocorrer. Ela foi gerada só por retenção da Alfândega. Se ela tivesse pagado, a Justiça Federal, poderia fazer um processo pedindo a devolução”.
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