Reino Unido enfrenta julgamento inédito por envolvimento em tortura de presos de Guantánamo

Processos movidos por dois prisioneiros alegam que agências de espionagem do Reino Unido colaboraram com a CIA em torturas após o 11 de setembro.
Por Tatiane Martinelli | GNEWSUSA

 

Durante décadas, o governo britânico tentou manter sob sigilo o envolvimento de suas agências de inteligência em casos de tortura. No entanto, essa tentativa de ocultação enfrentará um teste sem precedentes nesta semana, com o início de um julgamento raro e sensível no Tribunal de Poderes Investigativos (IPT), conhecido por operar com alto nível de sigilo.

O processo, que deve durar quatro dias, foi movido por dois detentos da prisão militar americana na Baía de Guantánamo: Mustafa al-Hawsawi e Abd al-Rahim al-Nashiri. Ambos alegam que o Reino Unido foi cúmplice de seus maus-tratos enquanto estavam sob custódia da CIA, em prisões secretas no exterior conhecidas como black sites.

O pano de fundo

As audiências marcam um avanço importante após anos de tentativas frustradas de apuração. Em 2010, o então primeiro-ministro David Cameron prometeu investigar a possível cumplicidade britânica em abusos contra suspeitos de terrorismo. “Quanto mais tempo essas questões permanecerem sem resposta, maior será a mancha em nossa reputação como país”, declarou à época. No entanto, o governo abandonou o inquérito anos depois, mesmo diante de fortes indícios de envolvimento revelados pelo Comitê de Inteligência e Segurança do Parlamento.

Em 2018, o comitê publicou um relatório apontando que agências como MI5 e MI6 estiveram envolvidas em centenas de episódios de maus-tratos e dezenas de operações ilegais de rendição de prisioneiros. O trabalho, porém, foi encerrado prematuramente, sob alegações de obstrução por parte de ministros e chefes de espionagem.

As acusações centrais

Hawsawi e Nashiri estão entre os chamados “detentos de alto valor” capturados pela CIA nos anos 2000. Ambos foram levados para locais secretos onde, segundo seus advogados, sofreram tortura sistemática — incluindo práticas como “alimentação retal”, que especialistas classificam como uma forma de agressão sexual.

A defesa afirma que há evidências de que agências britânicas facilitaram, incentivaram e até forneceram perguntas para os interrogatórios conduzidos pela CIA, já cientes de que os detentos estavam sendo brutalizados. O tribunal, que possui poderes únicos para requisitar documentos secretos das agências de inteligência, está analisando essas alegações desde 2023.

Telegrama reforça suspeitas

Às vésperas do julgamento, uma nova evidência veio à tona: um telegrama da sede da CIA, enviado em 2003, orientava interrogadores a pressionarem Hawsawi por informações sobre supostos planos terroristas ligados ao Reino Unido. O documento foi desclassificado em 2017, mas só recentemente foi identificado como peça-chave pela unidade de pesquisa Unredacted, da Universidade de Westminster.

Segundo o diretor da unidade, Sam Raphael, o conteúdo do telegrama é contundente. “Mostra um claro interesse em interrogar Hawsawi sobre agentes e conspirações ligadas ao Reino Unido, num momento em que ele estava sendo submetido ao pior tipo de tratamento”, afirma. Ele questiona: “A inteligência britânica, que já sabemos ter colaborado com abusos, estava alimentando essas perguntas?”.

Impacto esperado

Este julgamento representa o mais elevado nível de escrutínio judicial já imposto sobre o papel do Reino Unido no programa secreto de tortura da CIA. “Até agora, os esforços para expor a verdade foram sistematicamente frustrados”, diz Chris Esdaile, consultor jurídico da ONG Redress, que representa Hawsawi.

Apesar da gravidade das acusações, o governo britânico continua adotando uma postura de silêncio. Em comunicado, um porta-voz reafirmou a política oficial: “O governo não confirma nem nega alegações, afirmações ou especulações sobre as atividades das agências de inteligência do Reino Unido”.

A decisão final do IPT pode forçar o país a lidar com uma das páginas mais obscuras de sua atuação no cenário internacional pós-11 de setembro.

 

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