
Com invernos mais amenos e aumento das chuvas, regiões historicamente protegidas passam a registrar surtos da doença; especialistas alertam para a necessidade de resposta estruturada e planejamento climático.
Por Paloma de Sá |GNEWSUSA
O Rio Grande do Sul tornou-se o novo epicentro da dengue no Brasil, revelando uma mudança preocupante no comportamento da doença. Tradicionalmente protegido pelo frio que inibia a proliferação do mosquito Aedes aegypti, o estado agora oferece condições climáticas propícias para o avanço da doença. Até 8 de maio de 2025, já eram 15.643 casos confirmados e oito mortes registradas.
A epidemia atual, embora ainda inferior à do ano passado em número total, cresce de forma acelerada. A taxa de transmissão ultrapassou 2,08, e 474 municípios gaúchos já estão infestados — dois a mais que em 2024. A velocidade de disseminação do vírus lembra a dinâmica de crescimento observada no início da pandemia de Covid-19.
Para estudiosos da saúde pública, a ligação entre dengue e mudanças climáticas é direta. O pesquisador Diego Ricardo Xavier, da Fiocruz, afirma que a doença tem avançado para áreas subtropicais e até regiões montanhosas, algo antes improvável. “Se o aquecimento global continuar nesse ritmo, epidemias poderão surgir até em países da Europa e nos Estados Unidos”, adverte.
Atualmente, já há registros de transmissão local na Espanha e na França, evidenciando a globalização da ameaça. Segundo a plataforma InfoDengue, até abril foram notificados 1.757.065 casos suspeitos no Brasil, com um aumento de quase 30% em relação ao mesmo período de 2024.
A epidemiologista Cláudia Codeço, coordenadora do InfoDengue, explica que as alterações climáticas vêm prolongando os períodos de clima quente e úmido, criando um ambiente ideal para a proliferação do mosquito. Invernos mais amenos e primaveras antecipadas reduzem a interrupção natural do ciclo do vetor, permitindo sua presença o ano todo.
O Aedes aegypti transmite quatro sorotipos distintos do vírus da dengue (DENV-1 a DENV-4). Após a infecção por um sorotipo, o organismo não está imune aos demais. A doença, apesar de muitas vezes se resolver sozinha, pode evoluir para formas graves e letais, exigindo atenção especial aos sinais de alerta.
Embora a vacinação esteja em andamento, ainda é restrita a grupos específicos via SUS, e a cobertura vacinal permanece baixa. Além disso, a automedicação continua sendo um risco frequente. A médica Emy Akiyama Gouveia, do Hospital Albert Einstein, reforça que a hidratação adequada é crucial para evitar complicações graves.
A crise atual revela também fragilidades estruturais. De acordo com o AdaptaBrasil, até 2030 metade dos municípios brasileiros terá risco alto ou muito alto para doenças transmitidas pelo mosquito. Entre os fatores que contribuem estão desmatamento, urbanização desordenada, falta de saneamento e aumento das temperaturas.
A expansão geográfica da doença também mudou seu calendário. Se antes a dengue era sazonal, hoje os surtos ocorrem quase o ano inteiro. O fenômeno El Niño, por exemplo, antecipou o verão de 2024, com temperaturas elevadas e chuvas intensas já em setembro, criando um ambiente ideal para o mosquito.
Diante desse cenário, novas estratégias vêm sendo aplicadas. Uma delas é o uso da bactéria Wolbachia, que impede que o Aedes aegypti transmita o vírus. A iniciativa, desenvolvida pela Fiocruz e parceiros internacionais, já mostrou redução significativa de casos em países como Indonésia e Austrália, e no Brasil em cidades como Niterói (RJ).
Outra esperança está na vacinação. A vacina Qdenga já apresenta mais de 80% de eficácia contra os quatro sorotipos e pode ser aplicada em pessoas de 4 a 60 anos. O imunizante do Instituto Butantan, com dose única e quase 80% de eficácia, também está em fase final de aprovação pela Anvisa.
Apesar dos avanços, os especialistas são unânimes: sem ações coordenadas, infraestrutura urbana adequada e políticas públicas efetivas, o combate à dengue continuará sendo um enorme desafio. Para Diego Xavier, é essencial investir em saneamento, moradia digna e campanhas de conscientização — ações já adotadas com sucesso por países como Vietnã e Singapura.
“O cenário já é crítico. Não dá mais para reverter os efeitos das mudanças climáticas, mas podemos agir agora para reduzir seu impacto”, conclui o pesquisador.
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